Hermeto Pascoal
com o Berrante a me acompanhar
enquanto eu cantava a nossa parceria no Teatro Rival |
Poema de Numa Ciro
HOMEM SOM
I
Quando o vento
sopra na floresta,
a chuva chove no
telhado
e alguém nos chama
do portão...
É hora de afinar
o nosso ouvido
e adivinhar quem
está voltando
com notícias do
Sertão.
II
Quando um
passarinho canta livre,
a chuva chove na
roseira
e o trem apita
na estação...
É tempo de
entrar no tom preciso
e adivinhar quem
está tocando
as notas da
intuição.
III
Ouço um sussurro
na lembrança.
A saudade canta
e dança
nos salões do
coração.
Lembrei agora do
pandeiro alagoano
e a sanfoninha
conversando:
Era eu e meu
irmão.
Até escuto o som
correndo pela veia.
Olha o dragão na
lua cheia:
Está dançando o
meu baião.
IV
Toco atrás da
onça e do perigo.
O som vem lá do
meu umbigo.
Eu toco a linha
do Equador.
Toco toco toco
toco tudo,
toco cego, toco
surdo,
toco tudo por
amor.
V
Toco a luz da
noite,
a luz do dia,
a luz que brilha
na bacia,
nos olhinhos de
uma rã.
Toco para o povo.
Eu improviso!
Sei tocar a
esperança
ontem, hoje e
amanhã.
VI
Eu não dependo
de instrumentos pra compor.
Do fim do mundo ao
começo,
não esqueço meu pai
quando percebeu:
Eu era o filho
do som.
Eu sou!
VI
Ponho a orelha no buraco do tatu:
Escuto a terra cantando.
Esfrego as folhas no ritmo do vegetal.
Eu tenho um avô mineral
VII
Quando nasci vi a luz musical.
Ainda vibra o primeiro sopro
e aquele impacto se prolongou
de tanto ouvir meu avô.
VIII
Ferreiro ele era,
batia nos
ferros.
As sobras, me
dava.
Só toco quando
eu quero.
Com as sobras eu
fui o primeiro instrumentador:
de um férreo
varal, tocador.
Mamãe descobriu
- Divina era ela
-
O Bruxo do som
ninava até as
feras.
Nas sombras
tocava
um pífano que eu
mesmo fiz,
pr’as aves
cantoras do céu.
Os sapinhos lá
no brejo
ganhavam de mim
no melhor desafio.
IX
Lá na montanha o
silêncio universal
encanta o tempo
e o próprio vento
espanta o medo do vendaval.
A música é doida
por mim.
É sim!
X
Ouça o silêncio do
som
Escute a voz musical
Siga a intuição
Criar é dom
pessoal
XI
O nome Hermeto
Pascoal o compositor
Sou autodidata
O Mundo é meu professor
XII
Um
copo d’água, um motor, uma lajota,
uma
porta, não importa
tudo toca para mim.
Os animais de
pena, pêlo, lã, escama,
avoando ou rastejando:
Todos querem me ouvir.
XIII
Alguém falando para mim está cantando:
Velho, moço e criança, qualquer homem ou mulher.
Quando eu escuto, o surdo esquece que é mudo:
De repente canta tudo.
E só não toca quem não quer.
XX
Quando eu nasci chorei aflito:
Eu tinha pressa pra tocar.
Com o meu cérebro
magnético:
Hermetoado a musicar.
O HOMEM SOM
O HOMEM SOM
O HOMEM SOM
O HOMEM SOM
O HOMEM SOM
O HOMEM SOM
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