domingo, 27 de fevereiro de 2022

 

JOÃO DE AÍDA 

Uma máquina rodando velozmente na estrada - dessas que a ciência inventou, sem conseguir mudar o instinto de quem comanda a máquina - matou minha mãe e jogou na minha cara a injustiça de uma morte. Era uma mãe que se chamava Aída e o destino daquele nome levou o amante consigo. João, como Radamés, não viveria sem Aída. Eu canto essa ária como se tirasse palavras da boca do meu pai. Como ela e ele se amavam!

Tô ligada. Giuseppe Verdi e Antônio Guislanzoni.

 

Celeste Aída

Forma divina

Mistico serto

Di luce e fior...

Del mio penisero tu sei Regina

Tu di mia vita sei lo splendor

Il tuo bel cielo vorrei redarti

Le dolci brezze del patrio suol

Un regal serta sul crin posarti

Ergerti un trono vicino al sol

 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

 

DIGRESSÕES

 

Primeiras incidências

 

I.

Acordou sem pensar em nada, pensando que era uma fruta ainda em flor.

Numa incerta hora começaria a entristecer.

Gostava disso.

Calaria aos poucos.

Fios de desfelicidades armariam cenários em seu Teatro Nervoso.

Reencenaria as faces lacrimosas e reconheceria cada lágrima em seus minimíssimos fragmentos.

Filigranas de alegrias testemunhariam as diferenças.

Reticências...   

Que diferença faz dizer e pontuar?

pontuar a diferença 

É quando a palavra ilustra a imagem. 

Uma bela separação... hen? 

O tempo?

Rápido Lento         Dramático.

Gostava de olhar o tempo

passar... paassssaarrrr... paaassssssaaarrrrrr... paaaassssssssaaaarrrrrrrr

enquanto engomava o tempo

criava situações às vezes insólitas, outra vezes perigosas.

Olhava o relógio horas a fiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiooooooooooooooooooo...

Mexia os olhos em pequenos intervalos para acreditar naquilo que

Viiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

E tinha fé naquilo que se

Escondiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Ouvia os carros passarem.

A velocidade do tempo era então a velocidade dos carros.

Depois...

Não ouvia mais nada.

Demorava muito quando sofria.

Mais lento ainda quando não dormia.

Tentava não esperar.

Assim o tempo desaparecia. Apenas uma dimensão diáfana de ar e o movimento do pescoço.

Tudo eternizado em tédio tecido pelas circunstâncias imperceptíveis.

E a solidão?

Antes tentava que a solidão fosse apenas uma palavra. 

Depois... descobriu um absoluto silêncio que só existe na solidão.

Então... a solidão foi se desenhando: era a própria imagem do deserto. Apenas a respiração como oásis.

O óbvio deve servir para alguma coisa. Não há metáfora que não tenha um pezinho no óbvio.

Descobriu que na solidão há o esquecimento de respirar.

Procurava tomar fôlego, sugava o ar. Porém detestava os cheiros fortes.

Uma lembrança aguda espirrou.

Não haveria nenhum indício de alívio.

Como inventar distâncias para afastar a inquietação, a recusa?

E essa vergonha por não saber se comportar?

Um riso então se espalhou pelo mundo.

Vislumbrou a aurora puxando as pálpebras do sol.

 Inevitável o romantismo... um barato nessas horas. Pensou: Se estivesses aqui...

 

II.

O tempo leva o vento? Isto é verissimamente verificável.

Ou     o vento empurra o tempo? 

Qualquer poeta que se pese atiraria esse "ou ou" pela culatra. 

Será que o mar escuta o jongo das ondas nas pedras?

Esse segredo

Essa espera

Esses degraus

Tímida lua

Rios absolutos

Pensou: Quero tudo desse escoamento.

 

O                                                       sangue                                             apenas

 

DeeeeeeSSSSSSLLLLLLiiiiiiiiiiiiiSSSSSSSSaaaaaaaaaaaaaaa

Irrigando essa tal sensibilidade fazendo gozar os olhos... 

Ahhhhh fetiches estranguladores!

E os dentes que mordem como se mastigassem pétalas?

Faria qualquer coisa mas precisaria de ânimo. Nada de festas.

 Aquele animalzinho indefeso pensou: 

se chegasses agora, que faria com minhas unhas? minha língua? saliva e? 

procurava sorrir sem mostrar os dentes.

O dia cinzento tinha a cor dessa espera.

O tempo permanecia imóvel 

As horas eram seres sem piedade

O tempo quando se movia matava gente

sem nenhum arrependimento. Jamais voltou o tempo. 

 Pensou: Não quero mais esse acontecimento.

 Saiu.

Voltou.

Praticou irresponsabilidades.

Ligou o rádio.

Mas só ouvia as batidas do coração.

 Pensou: Oh my Darling! O que não-fazer?

                   Huuuuuuuuuuuuuuuuuuuummmmmmmmmmmmmmmmmmmmm????????

Como espantar esses romantismos tontos baratos?

                   Haverias de beijar a boca dos meus beijos?

                   Uma vez mais                          somente 

próxima da insensatez dos dilúvios das irissonibilidades

Ontem

Hoje

E

Agora

Será sempre de madrugada?

Estremecem os órgãos apaixonados

Já sabia disso

Bastava aquela presença, mesmo à distância:

O estômago dava gritos

Os intestinos até serpenteavam bonitos

O fígado palpitava

O coração gemia

                                        Pensou: Estou passando dos limites.

 

III.

Sentiu náuseas quando percebeu movimentos de abandonar.

Nítida impressão do esvaziamento das veias.

                                                       Pensou: Quero que mije nas minhas mãos abertas.

                                                                    Apenas para sentir aquela temperatura interna.

 

Se ficasse muda e quieta a lembrança do que fizeram apareceria como se fosse um filme?

Procurou então ficar imóvel debaixo das cobertas para eliminar o frio condutor de abandonos. Levantou. Bebeu saquê na boca da garrafa, aos goles, sorrindo e olhando seus gestos no espelho. Depois deitou novamente e se fez de morta.

Ao mundo, Ao DE LÁ... Dar una vuolta infiniii?

 

Pensou: Ainda não fui tão longe.

 

Não notou quando ficou inquieta e gemia ao som. 

Nem viu quando desadormeceu e até sorriu!

O volume das vozes do sonho aumentou: parecia uma festa.

Os sons das risadas se espalharam pelo quarto até acordar o dia.

Continuou a sorrir enquanto se espreguiçava.

Chamou alguém em voz alta.

E a nítida certeza de que ninguém fumava  ao lado ou preparava um whisky.

Sussurrou um nome próprio para si mesma.

Precisava de calor. Sentia-se...

Adorava este ser que arrancava seus pudores assim sem ideologia, sem necessidade de ter,

Sem qualquer querer que submete.

                                                       A chuva... ou essa mijada?

 

Se não fosse aquela tristeza não saberia da saudade. Mentira. 

Sabia inventar saudades vazias 

completamente réstias 

 Pensou: Tudo o que eu que....................................................................................ro

está nos olhos que me olham quando chamo o seu nome.

O Mar batia vigorosamente nas pedras de uma estranha sabedoria.


Outras incidências...

 

 1.

Ela gosta de autocrítica.

2.

O que fazer com as sobras que herdamos?

Já nos livramos de tantas fustigações... mas não...

Autocríticas literárias fustigam o desejo de inventar 

seguir as estradas literárias de leves fragrâncias gráficas.

Jogar pedras nas palavras como se dissesse com a boca cheia: AMÊNDOAS.

Estradas literárias escondidas nas florestas intocadas.

Somos quem? Um sersozinhozinho olhando o Sol onde se lê Rosa.

Se não há caminhos fique ligada nas veredas.

 É que ontem ela foi alçada por um sertão. Já disse que a metáfora não tem vergonha do óbvio.

Óbvio. 

Antigamente eram iguarias dos sentidos.

Dos pensamentos, então!

Olha! Olha! Olha!


3.

Todas as vezes que ela vê ou coloca exclamações lembra invariavelmente de Ramos.

Sim! ele! mesmo! o gramático! escritor! Alagoano! 

Tipos como ele têm a maior chance de se tornarem um Uberich idiolatrado. Ora, as pessoas gostam de se espantarem à toa. Disse mais ou menos isso. Ela disse sem sic, sem aspas. Confiou na sua memória intermitente como as lembranças de Neruda. 

UAU((( 

As exclamações todas perderam a ereção. Viraram raminhos de salsa debruçadas no canteiro. Restam as vírgulas. Porrrr..... e os pontos? Quase exclamava palavrão. 

Mas na ora H  exclam...ações se esgueiraram em vírgulas. Isso não significa obediência. Uberich foi criado para ser desobedecido. Mas inferniza. Queria exclamar corretamente, mas é muito indisciplinada. Na verdade queria mesmo era inventar erros geniais que depois são alçados ao cimo das montanhas entre os vales das virtudes.

Escutou um acordeon. Ou era uma sanfona? Foi arremessada imediatamente a Paris e no mesmo ímpeto caiu sorrindo no forró de Zé Lagoa. Cara, o critério para reconhecer uma obra de arte é feito de parâmetros inesperados. O conhecimento científico nos expulsou do paraíso. Ironia do destino: ele mesmo nos leva de volta.

Toda vez que ela viaja de avião se reconcilia com a ciência. Pensa até em estudar física. De Ícaro a Santos do Dumont, de Santos Dumont ao supersônico tínhamos que sonhar de ASA DELTA. Dédalo! Será que Kafka ouviu os conselhos que você deu ao seu filho? Sabe que ele também nos alertou? (Interrogação pode) através de uma parábola que diz que temos duas cordas atadas ao pescoço: uma presa à terra e outra presa ao céu. Se nos dirigirmos mais para o céu, a corda da terra nos estrangula e se pendermos mais para a terra, a corda celeste nos enforca. UBERICH!!!! Disse em voz alta: Será que quero mesmo me salvar? Prefiro brincar de pular cordas. Arre régua.

Escrevia cartas ao seu pai e ele escrevia cartas para ela. Seu pai não era UBERICH. Era um lugar de paz. Todas as vezes que ele chegava em casa ela não tinha mais medo de nada.


4.

Antes que a noite esbraveje em tremores lânguidos esse desassossego...

Quem mandou esse recado do ventre?

Palavras soltas sem elo sem volúpia sem retórica 

Sem deixar um mínimo ponto de conciliação com o juízo.

 

5.

Disse em voz alta:

Faço todas as obrigações que não devem ser feitas. Obrigações de outra ordem: faca na garganta.

Essa prosa tá louca. Lá lá lá lá lá. São muitas as alternâncias de mim em mim.

Quase acendi.

Trago?

 Aos poucos criou a ilusão de que sensibilizaremos as máquinas burocráticas.

Alguém conhece o beijo que se pensa melífluo?

Provoca o mesmo espanto 

GRITO

Não precisava maiuscularizar as letras.

Não precisa gritar! Ouviu de uberchi.

Gestos opostos sorrateiramente deixam suavidades interlineares.

Textura fria    pintada de nada.

Estômago verve do sangue frevo placentário gesto

É o jeito mandar pros inferninhos rokistas essa inquietância que se chama Instante Inverso 

 

III

Incidências em suma

 

E Tu?

“Meu, vem cá”.

Eita

tu

Saturno Diurno és cruel e ainda dormes

E cego

E sóbrio

Eternamente muito

Um drink quem me dera


Infâncias reencontradas

Em tangos fados e boleros

óperas e rocks

ieieiês ioioiôs 

Se Arquimedes me visse!

Roçando o lume da paixão ao vento

Meus olhos somem na estrada

E nada explica o nascimento das flores e dos cogumelos ao longo

Oh vasto caminho dessssscerto

 

Algumas léguas adiante e um açude se revela como surpresa

e não é que há crianças timbungando?


 

 

ABERTURA



 

ABRIR O LIVRO

PASSAR ÀS PÁGINAS

ATRAVESSAR O PAPEL

OS OLHOS LETRA A LETRA

A POSSIBILIDADE DAS SÍLABAS

E A SURPRESA DAS PALAVRAS

MILHARES DE PENSAMENTOS JAMAIS IMAGINADOS

A IMAGEM DAS LETRAS É O SELO DE PERTENCIMENTO: ESSE BICHO É DA LINGUAGEM

APRENDEU A LER PENSAMENTOS

NÃO FOI DADO SÓ DE BOCA NÃO

AGORA TEM ATÉ ASSINATURA

NÃO TEM MAIS VOLTA

MESMO QUE DÊ VOLTAS ÀS VOLTAS DO SILÊNCIO

QUEM ME CHAMOU E EU OUVI NÃO ESTÃO MAIS AQUI

POR ISSO ESTARÃO SEMPRE AQUI

ASSIM

DITO POR MIM

PRESENÇA RUIDOSA

HÁ SORRISOS

A LUZ DOS OLHOS

A CERTEZA DO AMOR INCERTO

CÍTARA DO DELÍRIO

TUDO VIRA INVENÇÃO

A PRÓPRIA IDEIA DE INVENÇÃO

O LIVRO

ENTÃO