sexta-feira, 21 de julho de 2017

TOTEMICA - A VIA PROFANA DO PENSAMENTO



Martha Argerich


TOTEMICA




Totemica estava parada 
ali
no meio de um pensamento absolutamente estarrecedor

Não fora um vento forte sacudindo seus segredos
ela não se daria um minuto de trégua 
trabalharia naquela orgia ideal 
até esgotar a última centelha dos ânimos

Sonhos invertidos         Insensatos beijos

Meses

Leves aromas idiomáticos 
Arrebatadores lábios nos espelhos

Nenúfares  
Luminares 

Quadrúpede Alazão    Pégaso do sertão   Asas da sonhação 

Alarme                                      
Valei-me 
Ela pensava 
Pensava nela longe dela não por ela nem para ela 
Através dela

Totemica dançava
Ali 
Parada 
no meio do redemoinho 
d’aquilo que guarnecia ventania de pensamentos


Sorria sozinha 
para fora 
para dentro 

Como se conversassem consigo 

Quantos enamoramentos
Mesmo que fosse 
apenas o atrito do pensamento no pensamento 
pensamento contra pensamento 
pensamento sobre pensamento 
pensamento querendo pensar menos pensamentos
desejando um só pensamento
nenhum pensamento

Voadores os pensamentos

aviões     andorinhas     gaviões     dumbos     gafanhotos 
as alegres comadres de wind surf 

aparelhagens confusas das risadas domésticas 
específicas descobertas 
extremas nervuras das américas lineares...
...pisadas convalescentes do ódio ... quantas reticências... 
quantas anedotas... quantas esperanças ... 
etcé... terás... pensou totemica pensou pensou pensou
alguém já se pensou assim? totem dos pensamentos?
Um mico dialógico

A campainha toca

Totemica vira outra
atravessa os pensamentos quase num esforço milagroso
um Moisés abrindo o mar 
e não atraveeeeeeeesssssá-lo?
andando pela sala procurando a porta e o juízo 
e pensando 
será a vizinha?
quem se avizinha?
virá pedir?
o quê?
um pouquinho... 
Já são quase as horas certas para alguma coisa incerta 

A buzina de um carro estampou a imagem de uma amiga 
daquela que ela saía sempre às 16 horas     
saia justa     blusas frouxas     
tamancos altos pretos ou vermelhos 
brincos de argolas     
A estampa se multiplicou em ciganas desvendadas 
dadaísmos urbanos 
indecentes  dadivosos duvidosos 
indefesos invisíveis impalpáveis

A campainha insiste

Totemica toma um gole de susto e volta 
procura a chave da porta     da outra porta e gira 
sem esquecer do momento quando procurava este apartamento 
como imaginava diferente disto que acabou querendo 
e pensando que era este mesmo 
que já constava no mapa dos seus pensamentos 
o endereço do esquecimento 
Totemica abre 
finalmente 
a porta 
a de dentro
e se depara com mais um pensamento 
em pessoa 
não sabia definir se era um homem ou uma mulher 
uma pessoa inédita e autoritária 
presença real  
tão nítida quanto inacessível  

Amarás ao teu próximo como a ti mesmo 
Mas que não esteja tão próximo 
nem sequer do mais distante e 
se mesmo se mesmo se mesmo... o quê?

Era um dia
tão distante 
de que mesmo?
e o que mais? 
apenas uma pessoa em pensamentos palavras e gestos 
e meros objetos de contemplação...


A campainha mais uma vez


Totemica Totemica 
Cadê a expressão 
O gosto pelo outro lado do tempo 
o outro tempo do mundo 
das coisas cotidianas e habituais 
como um simples atendimento a uma porta 
um simples dizer boa tarde 
seja quem for 
o que quer de mim?
o que veio fazer aqui? 
Não importa que batam na porta 
Não quero ouvir o bater na porta
Não sei o que dizer ao abrir a porta 

E assim o mundo começou 
quando sentiu 
o peso da corporeidade 
tramando a convicção de que se existe 
sem querer dizer 
filosoficamente 
não queria existir não queria pensar não queria ser

mas quando queria sexo... 
ou tentava matar a fome...
pensava?
teria o mundo para matar a fome do mundo?
o mundo se arma se ama senhalma ah aha ahaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhh 
se tudo coubesse dentro 
e se o que ficasse de fora fosse o seu lugar 
seu lar 
seu apego ao contra tempo 
Relento 

TOTEMICA PENSA 
o pensamento suspenso
em voz alta:

e tudo foi acontecendo
aos poucos
E tu?
Nem vias
meus olhos náufragos
Não me olhes assim
Nem me ocorre como poderias
Perdi o controle     a bolsa     qualquer possibilidade
Perdi o ninho         o leite      e a vergonha

O que se vê entre
Corria desenhando riscos
Venceram forças ocultas
Tantas bobagens alicerçadas
Sombrios os dias
Apaziguadas as horas

Em nenhum momento vinhas

Tantos mares desperdiçados e nenhum olhar à vista
O pensamento finalmente dorme e se espreguiça entre estáticos pontos de esquecimentos
No fundo opaco enganador aquele vulto escandido e navo resplandescente como um grito no escuro 
uma carícia não identificada
Só o rastro
Bandido das coisas perdidas
Furtiva amada   menino astuto   vestal  criança 
olhar de espanto                         
complacências
Quadros se superpõem aos livros 
frases inteiras com a estética do latim


A campainha parou de tocar
Não se tem ideia de quando parou
Qual bobagem se expandiu 
através da escuta da campainha que tocava
Ninguém ouviu quando alguém gritava
Abra a porta     Abra a porta por favor     Quero falar com você                  se não for você a pessoa com quem eu quero falar 
         onde posso encontrar a pessoa com quem quero falar 

Totemica vivia indiferente a estes tipos de sinal
Totemica se espreguiçava dentro e fora do pensar 
Esticava os músculos do pensamento 
somente para executar um demi-plié 
com a finalidade de louvar os falantes da língua Keruaque 
só porque 
publicaram as "odes obscenas nas janelas do crânio"

Isso a livraria dos abusos da sobrevivência 
e poderia significar a loucura literária insana
pois é daí que também se escava a matéria prima do sentido até a significação mortal e ao mesmo tempo toda a possibilidade de vida que em si mesma não significa nada    
que quer dizer significa nada? 
não significa nem sequer nada

LÓVEME   LÁVEME  LÚVREME LÉVEME 

daqui

Umas flores
Quaisquerrrrrrrrrrrrr  bombons
Naturalmente sofro e não de onde o nascente querer
Naturalmente como  como
Tenho pensado nisso constantemente e não encontro vestígios de tão árdua execução do intelecto
Pois considero tuas carícias 
verdadeiras pérolas da disposição humana para a inquietação

Quem nos viu naquele instante de inquietante sofrimento
Quem adivinharia o incômodo
Talvez apontasse o diafragma querendo pontuar o buraco
Mas não
Somos uma criança perdida com o endereço no bolso
Assim...
Vejo crescerem os motivos de arrependimento sempre que penso nos atos desperdiçados         
nas enganosas indicações de que mesmo?                                       
de quando em quando...                 

e

BASTA

Pare de rir de rir de rir de rir
Pare de mim de mim de mim

Para de viver
Para de morrer
    Para o mundo que eu quero descer
Já li e ouvi esta frase em algum lugar
   Para o mundo que eu quero subir
Diria eu
Se eu encontrasse o ponto de parada do mundo
Mas o mundo não é um ônibus
É um navio
Eu não sei nadar

Fui criada dos riscos
Atravessando as ilusões mais sutis pensava que entendia a vida como aquela árvore que cresce sem falar
Olho
Pela janela a noite continua a mesma
Não a noite
Eu
Continuo 
A mesma
Não ouso tocar nesta serenidade
Ignoro esse barulho
O que é que não foi?
Isto importa
Mesmo assim continua sendo irrelevante
É tão carinhoso ser apanhada de surpresa pela vida
(...) de repente
Risos de felicidades
E eu me pergunto
??????????????????????????????????????????
E não me respondo
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 
Ontem
Fiquei horas a perguntar de uma extremidade
Há outra
Procurei exaustivamente por uma síntese
Um sossego
Uma centra----------------------------------------------------------L-
-------------------------------idade
Porém
Uma obstinação pelos cantos
Pelas linhas divisórias arrepiantes dos desenhos que fazem silhuetas em noites mal iluminadas despertam muito mais curiosidades

Pé     ante pé     diante de mim
Às vezes me assusto
Às vezes me acaricio        
Algumas vezes penso que sou, como a maioria das gentes,             
quem traduz com a máxima fidedignidade o sofrimento alheio somente para esquecer a enorme decepção de ter apenas uma dor singular tantas vezes sem eco    sem solidariedade
Uma dor abafada que se omite  que se evita
Com a qual nada se faz a não ser deixar
Quantas vezes ficarei assim?
Conto os minutos como se o tempo preciso pudesse 
caber em qualquer tempo

Faz um século
Faz um segundo
Faz qualquer coisa pra ficar assim
Faz muito frio aqui

Foram as últimas frases que ouvi de seus lábios

Faz muito tempo
Ainda não pensava em suicídio
Nem gostava de chicletes
Parece que foi ontem

Foram as únicas frases com as quais usei meu pensamento enquanto seus lábios pronunciavam as últimas frases

Ainda lembro aquele olhar
Além                          fixo
Aquém                       imóvel
Não me sai da cabeça aquela imagem
Meus olhos nem mais descansam
Mal distinguem longe-perto    mal durmo

As lágrimas escorrem 4 a quatro
Estações emocionais exercendo expressividades
Visões de espaços interiores onde pululam incessantemente as mais variadas formas de vidas inventadas
Vertigens
Parâmetros passionais
E ninguém
Ninguém mesmo inventou coisa alguma depois que
Que o mundo ficou dando as sua voltas

Amor     bem que anoiteceu
Estávamos precisando deste sereno lá na pista
Quando as luzes se acendem compondo a paisagem dos edifícios  quem pensaria nos amantes? E nas empregadas domésticas? 
Quem pensaria nas crianças que iriam dormir?   
Os pais           
chegariam do trabalho?
Não penso na família
Penso no que ouvi de um passageiro no ônibus 136
RODOVIÁRIA / COPACABANA: 
" acredito no que sinto quando dói"

Meu sono não cabe na minha cama
Meu tempo não cabe no relógio
Aí me espalho
Sonho
Acordo no meio da noite

ONDE - FICA - O - MEIO - DA - NOITE?????

Vire-se

Quero ver minha própria boca articulando cada sílaba desse diálogo imaginário como se eu fosse…
Eu sou nós       entende?
Eu sou voz       entende?

O por do sol cai nas minhas convicções
Quando a noite chega eu começo a pensar nos medos de tudo    
de como a noite nos engole com sua boca enorme de raiva e desejos

EhhhhhhhhhhrrrrrrrrrreeeeeeeeeeJe!

Oh noite tão longa
Tem noites que dá uma tristeza tão grande
Por que?
Por que penso tanto?
Até de madrugada aquela voz cava esse desejo sem fim
Minha cabeça gira    e  meu olhar    desliza por um fio   
atravessa paredes
Um bicho feroz atravessa na direção desse olhar
Rompem vesúveis sinais visíveis   intensamente iráveis 
noites intactas em claro
Não posso esconder isso
Esse desejo em mim
fecho gavetas apago impressões
negócios
conselhos de esquecer
dou gargalhadas ao vento
Tento

Na direção desse olhar tem um bicho feroz

Acordei  e era belo aquele gosto de beijo na boca 
enquanto o sol batia despudoradamente nas vidraças                   espreguiçava               olhava
As festas     das frestas     
Sorria                 Sorria  
Arrebatadores risos sacudindo os seios 
Tudo era apenas formas de passar à margem do óbvio
Olhei de lado
Completamente cinza o traço
Flores    Arcos   Dobras   Cacos   Revistas
Havia um prazer convulso por ter acordado 
Sempre me surpreende estar
Olho ao longe             sem olhar
Até desenrolar todos os sentidos
Até onde podem ir os pensamentos?
As tardes caem?  As noites descem?

Olho
de perto acerto

Abertas mãos à obra  
Mãos medrosas
Ao alto

Abro as pernas    

UM     TREM     PASSA     RÁPIDO

Puxo as cobertas que sono pesado meu deus se alguém fechasse as cortinas (...) esse beijo estranho na boca que música é essa?


   Vem de dentro
   Virá  de fora

HOJE   O   CORAÇÃO   FERE   A   RAZÃO

Acordei com um belo de um beijo na boca 
Impaciente com tudo irrita-me sobretudo passar pasta na escova de dentes este frio que não passa basta! Besta! Estou uma pilha 
merde! 
Ainda bem que encontrei este cigarro    
Que me resta senão abrir  janelas à arquitetura dos planetas 
à mixagem dos sons urbanos 
como se fossem carícias próximas dos pensamentos  
razões silenciosas 
auto--crítica-do amor-puro  
Sujai a lógica 
Estética exuberante 

CAVALO CAVALO CAVALO 

Artigos à vulso Vespertinas notas de cristal

ZummmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmBiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiDooooooos  
Idos   zuns  bis uns is zabumbas e olhos giram sugando 
estrelas 
solitárias voltas em vãos

   Sois como a noite!  
Gritou uma voz aqui dentro 
Um ruído estranho no peito
  Não    não temas    tens que   tens que...   
perdida voz no peito
 Aqui dentro habitas      somente aqui dentro                
fora   FALTAS
És toda minha aqui dentro                        
fora silennnnnnnnnnncias


Passei esta noite em claro         doía muito
A cada sonho em que passavas beijavas    beijavas    beijavas

Ninguém me disse vá embora   
Não chegou à casa nenhuma notícia extra vagante  
Mas fiquei problemática             
O dia passou com uma cara de ausência 
Você saiu pelos corredores e eu me salvei na ilha do pensamento Bati em portas que seriam herméticas 
se 
já não estivessem tão forçadas

   Fuja!  
Foi tudo quanto meu pensamento conseguiu articular 
para o lado de lá sublinhando aquela criatura sem destino
   Não   
  Ela não tem culpa  mas está nula
  Francamente sua tola    
  Você se impressiona com tudo que se movimenta fora  

E se?     E se?   E se...

Para de pensar     Para de pensar

Há séculos comecei a criar este país de ilusões
Lembro-me bem quando foram inauguradas 
as primeiras fábricas de carícias
ah! Como  sorria ali sozinha naquela poltrona perto do rádio
E você viajava sem memória          
só através das imagens instantâneas
eu percebia de longe             não conseguia parar de olhar
ficava acompanhando a linearidade da sua postura   
O quê?
A linearidade da sua postura
às vezes os dedos brincavam nos braços da poltrona
eu fixava tais inexpressívos movimentos como se traçassem bailarinos no palco   
O que?                                                     
Como se traçassem bailarinos no palco

Por essas coisas pensei que teríamos sido feitas
 uma para a outra
uma para a outra
somente eu conhecia a singularidade de tantas coisas
sem importância
nem uma vez me impacientei com seu olhar de vidro
às vezes sorríamos dávamos rascantes gargalhadas
nesses instantes nossa existência ganhava sentidos
 extras... cardinários... 
BASTA  
As horas passavam         não o tempo

Quem haveria de entender a lógica das datas que regulam a chegada de cartas   contas   folhetos      convites etc.   etc.   etc.   

Perguntávamos ao mesmo tempo:   Você passa?

Numa dessas ocasiões compreendi           
Tínhamos feito um pacto mudo e cruel 
Ignorávamos a noção do tempo
Ocupávamos o espaço mais inexistente possível
Vivíamos tão quase imobilizadas 
Que reparávamos nas menores mudanças
Assim   
Abandonamos as lembranças           
Esquecemos  inteiramente de como éramos na adolescência            
Era como se fôssemos sempre assim  
No exato momento em que vivíamos                 
Não sonhávamos com o futuro         
Caímos numa inexorável existência presente

Uma gargalhada esvaziou mais um espaço denso e fez os objetos caírem num desuso sem precedentes                 
Aquele estrondo se espalhou desde o ventre e levou todos os infernos em seu eco

     Não se objetiva assim uma tão grande dor
    Deixa-me seduzir
   Fora com esta crença

TUDO               FORA                       EM                      VÃO

Às duas da madrugada ainda pensando
Caminhávamos sem sair do lugar
Isso se tornara apaixonante  
Convivíamos satiricamente com esta desesperança
Simplesmente não esperávamos           um dia              noites
Longínqua  repetição anacrônica  
delicada   
seria se não fosse     
tão pesada  
Parecia que a dor do mundo se despojava aos nossos pés
E nós?

O futuro a Deus pertence
O futuro a Deus pertence
               ADEUS
O  Futuro      Pertence
Adeus presente adeus
pertence o presente  esquecera seus pertences no futuro momento em que se desesperara e sem encontrar solução nos breves instantes de perplexidade entregou-se ao adeus 
disse adeus à sua autoridade interna 
chorou durante toda a noite rezou para Santa Cecília e se viu cantando no coro da igreja    depois    não conseguiu lembrar-se de mais nada    compreendeu que estava só    corria    corria   corria  tentava segurar uma borboleta que não parava de-flor-em-flor mas dava a impressão de querer ser alcançada           Ficou sem fôlego    parou num lugar desconhecido         a sensação era a de ter chegado            depois                nada

Quando deu por si procurou sentir novamente aquela onda quebrando na rotina  
Lembrou dos sapatos amarelos e dos momentos na frente do espelho


   Sempre tentei evitar esse assunto    
  É tão fascinante este silêncio
  É ouvir                
  Mais nada


Razões silenciosas caem como gotas de mel       
Mas o coração duvida
Procura-se no escuro do poço apenas o fundo 
O fundo não tem fundos
Eis o bagaço do vazio infra-mundo

Quem me dera ceder a essas carícias enigmáticas...

Fingirei que não quero mais nada
Recusarei todas as conveniências
Imigrações de insetos na mira do horizonte
Z com A maiúsculo
Apenas uma fórmula qualquer para puxar pensamentos tardios e mentirosos
Há somente uma única esperança guardada aqui na boca
Tudo vai depender apenas da voracidade da fala


Quem está ali?
E eu não posso
Olham e riem de mim as naturezas mais estranhas
Sim       o que fui não importa
Por isso mesmo continua a ser irrelevante
Suporte      suposições           
Não
Não quero amenidades
Saem pelos meus olhos todos os objetos que por ali passaram
Mesas de pernas pro ar
Cadeiras postas de lado
Lençóis molhados
Flor do Nordeste o Algodão Agreste 
Fios de mercúrios dizendo a febre do tesão
Corpoincendiado
Sob o Soutien  mamilos eretos

Olhando

A Baía de Guanabara     
Há de todos os santos
Bacias hidroelétricas
Bactérias     Fungos     Estafilococus
E o que mais?
O muuunnndo!
Você se basta
Eu sou você + tu + nós
E o produto somos todos os beijos
Quem sabe?
Os deuses me recebem e eu provo do néctar       hem
Estalo a língua estranha aos seres
Igualzinha quando acordo em certas manhãs e quero morrer
Depois              nem sei
Imagino morrer só para ver as pessoas que amo sofrerem
Mas só um pouquinho
Queria vê-las reunidas à minha volta 
com o último dos respeitos ou das temeridades
Estariam enfim diante do meu total silêncio
Seus olhares sem retorno    
às avessas como um tiro bem no cu da lata

Nunca tinha pensado antes que  guardasse tanto ódio assim
Quase um gozo 
quando imaginei que não seria o meu silêncio que as incomodaria
Mas o silêncio delas em mim
Fiquei horas assim    feito uma parede sem ressonâncias
Um objeto inerte de olhar atônito infinitamente
Pra-dentro   pró-fundo   pré-abismo  
pras-coisas-desconhecidas-de-tudo 

  Esse tipo de expressividade às vezes me assusta     
Pensou alto
 Você sempre fala o que lhe chega dos miolos   
 Sem consideração alguma
 Já lhe falei outrora 
 agora 
 que não passe pela contramão do meu entendimento
Pensou baixo

Depois
Continuou  imaginando
Mas eu sou tão boba
Esse ódio parece tão disfarçado em idolatria...
Fernando mandou dizer por Álvaro 
que depois da angústia 
depois do horror 
depois do velar 
depois do lamento  
da trágica retirada para a cova
vem logo depois
"o princípio da morte da tua memória"
Aparece primeiro a forma de um alívio
depois
as conversas cotidianas 
embrulhadas na rotina teceriam o esquecimento 


Em seguida ao espanto inicial
eu viraria uma página virada na vida de todos
Aí é que seria engraçado
Eu despertando daquela catalepsia desabonadora e irretocável 
e as pessoas decepcionadas
Como interromper um trabalho de luto?
Elas já teriam passado pelo pior ou pelo melhor
E eu já teria vagado pelas rotas imaginárias à deriva   
extraviadas voltas à beira do abismo presente em todos os lugares 
e ao mesmo tempo 
num oceano de realidades impossíveis de se ignorar   

 
E a razão?
Podia tudo      podia nada
E eu?
Sabia tudo   sabia nada
Expulso idéias de perfeição e elevo as fantasias ao nível da curiosidade sem retorno   sem satisfação    
como se ignorasse o lugar
Como chegar?
Para que este enrodilhamento?
Eu só quero cagar em paz
Não quero um lugar na frase


Já  esperei tanto tempo        
e aquele telefonema?
Ultrapasso dias velozes
Quando observo os séculos pelo ponteiro do relógio 
os segundos parecem cruéis
Naquele dia só pensei na morte   
Era um dia interminável
Olhando as flores percebi 
as pétalas exibem horizontes perfumados

Longínquo o horizonte dos beijos lá no fim da rua quando chego cansada a pé sem fôlego lívida de calor a te querer tanto quanto a um banho
Assim            
Atingi os indícios mais simples deste caleidoscópio fantasmático 
e espectral dos meus órgãos
Muitas vezes perco os contornos e não crio novas emoções
Fico
Inerte e procuro silenciosamente o fio de tantas lutas interiores esquecidas e por causa disto       do esquecimento     meu corpo se fixa na frente do telefone como se quisesse ver o toque
Imagino então aqueles dedos
Escrevem?    Abrem torneiras?    Tateiam zíperes? Tamborilam? Apontam? Tocam campainhas teclas itens?     Deslizam? 
Será que aqueles dedos murmuram?


Antes     eu me imaginava toda natureza
Mas depois daquela conversa fui ficando muito próxima de tudo
Cada vez mais solitária nesta aproximação e no entanto mais ávida  faminta   preguiçosa  cheia de palavras       arrodeada de letras góticas
Olhando acontecimentos numa atitude de complacência    
outras de coragem
E nunca    e nunca  nunca  satisfeita ou conformada

São 11 e meia
Mesmo dia?
E aquele telefonema?
Eu me exponho às expectativas
Nunca sei se devo esperar ou me deixar surpreender
Porém            como esquecer tal desejo?
Ouvir aquela voz de um lugar qualquer
Apenas aquele som       vindo de um lugar de um corpo 
que reconheço em fartas sensações 
às vezes quentes   
às vezes estranhas em certos lugares do meu corpo  
preciso disto  
não sei se é vício  
coisas de paixões desordenadas

Porque me disse que telefonaria às 11 em ponto      pronto!
Eu espero desde    desde    desde
Porque falou que levaria todos os sentimentos às alturas da razão
Por tantas vezes fingir que sabia as origens de todos os males e os motivos de todos os bens
Por tudo quanto fez brilhar os olhos   
calar os lábios   
fustigar os sonhos
Oh!   Não
Finjo que tenho esperanças

Para onde eu vou?
Que apreciação essa de tomar nos braços
o personagem dos meus diálogos interiores?
Ainda bem ainda mal? 
Tudo gira sem um querer reconhecível e controlável
Elipse falso         oculto               
sem encontrar um antípoda qualquer 
nalgum ponto esquecido 
inencontrável

Não é fácil chegar a nenhum lugar
        Urge        Arre        Urra    

A   RAZÃO   FERE   O   CORAÇÃO

Hem?????????

Nem sempre   nãos   serão   Nãos
Fugir      Fugir    Fugir

Cair no abismo louco de cair
Cair   Cair   Cair

Até onde não houver mais questões
Essa marca
Essa dor que não passa

VACA!

Herança de uma fera          o que restou das mordidas
de tudo quanto deixaram as partidas    
Essa ausência plena em sua presença nítida como um girassol 
O dia claro desalmado enquanto a alma esperançosa e lânguida como só as almas podem    esperar    é próprio das almas
As folhas brancas    as de papel   sim   as de papel
Limpas    prontas    Alvas mallarmeânicas
Com as pernas abertas pra qualquer RABISCO que aparecer
Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii


Beijo qualquer imagem dos meus deuses íntimos
Íntimos como amigos íntimos
Íntimos

Eis uma xícara em seu pires no seu plano mira
Do olhar que pesca amenidades
E antes eu tinha pensado que não queria amenidades
Mas não resisti ao pires com a xícara em suas mãos
A xícara que jamais voaria. 
Não porque fosse uma xícara 
mas 
porque só lhe deram uma asa


OH! manhãs
Vejo os objetos brotarem como flores    frutos   
ou 
qualquer ser criado 
pela natureza

Porque  criei esta ausência?????

Nunca visitei uma fábrica
A cultura é um milagre
Meus santos são os operários   os cientistas    os arquitetos
Também serão demônios os cientistas

Culpo
A mágoa     o tédio   

Só amo 
a preguiça
ou bichinho precioso


Desconhecimentos
Confio em tudo enquanto não digo nada
Desconto    
sofro e não sofro
Gozo só de ouvir
soletrar as letras do seu nome 
Conheço as lágrimas sem chorar

Mas um pouco diferente daquela lágrima que molha 
a Ode Elementar de Neruda à Cebola


Voltarei
Não do verbo voltar mas do verbo  vagar
Força minha filha
Deixo você e digo:    Até breve  Vou sem querer

IR  IR  IR

RIR    RIR   RIR

No avesso do prazer sem fim onde a pele fere 
Onde os sentidos   pelo espírito carnal do tempo  pede
Mas só ganha flores de acrílico

Quem nasceu assim tão nítido?

Não há loucura maior    só as carícias
A paixão cabe nas palmas das mãos
A paixão incarna
Perfume abstrato internamente se alastra
OPUs  OPUs  OPUs
Atrás da orelha tem um segredo
Eu te disse!
Dormias...
Mas ouviste

Penso NOVAMENTE 
em 
como tudo foi acontecendo aos poucos     e tu?
Nem vias meus olhos náufragos
querida   
Fico louca quando me olhas assim
Sinto em mim o quanto poderias me dar prazer
Perdi a educação que me deram
perdi o cartão de embarque
Perdi o fio   o medo e a coragem   
Minha vergonha se perdeu pelas interfaces
Corri tantos riscos...
Venceram as forças estranhas
Tantas bobagens alicerçadas
Sombrios os dias   apaziguadoras sombras
Em nenhum momento vinhas
Tantos desejos jogados ali 
pisados varridos calados

O pensamento finalmente dorme
e se espreguiça entre estáticos pontos de esquecimentos
No fundo opaco enganador
Teu vulto escandido e resplandescente
como um grito no escuro
uma carícia não identificada
Só o rastro


Acreditei em tudo que me fez cair depois arrependida
Chute nas ilusões
Quantas coisas desconcertantes  inutilmente trágicas

Louça posta    mesa sacra

E a rua deserta


O amor está tão próximo que eu poderia fazê-lo
cair em mim com o mais ousado suspiro 
com qualquer movimento 
a não ser este que me expõe ao desejo 
inteiramente solitária e muda


Não há como abraçar
a impossibilidade do gesto é incomensuravelmente forte
Mais forte que as vontades
Apenas por ser essas vontades tão fortes
Odeio tudo que nos impede o beijo
Odeio isto que excede o toque e me deixa assim inversamente tola
Odeio eu
Odeio todos os meus pensamentos
Eu queria ser filha do vazio
Eu queria fazer calar esse pensamento de repente
Secreto jogo  de fixar morto o momento ao se perder em sorrisos ambíguos 
Esmagadores gestos
Enganadores reflexos 
Inteiramente árdua 
impossibilidade assim tão nua
Quisera tanto essa quimera
Encontrar-nos ali entre os nossos corpos apaixonados

O que poderia acontecer
para nos entregar  às inevitáveis risadas sem fôlego

Quisera ver de novo aquele olhar ao me ver
Quisera ver aquele olhar a olhar-me
Estarei sempre imaginando assim
Ao sorrir maliciosamente
Quem me dera ter   escrever  impetuosamente frágil
De quem é a culpa?
Cala-me num beijo!
A vida acontece onde o sol é aquele olhar queimando a minha vida
Desmancha meus pensamentos com teu perfume
Quando apareces   tudo se perfuma à nossa volta

A CAMPAINHA TOCA

Ou será o telefone que toca?


SOU  DE  FORA  ME  DEIXE  ENTRAR

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Crítica - sobre o Monólogo Cantante ANDOR DE COISAS RARAS




Trata-se de um "monólogo cantante". De canto não-acompanhado. Ou, ainda, de teatro-canto. Dito assim, dá pra desconfiar. Pode ser uma fria, pensarão os que não gostam de arriscar.

Pois bem: quem não arriscou não petiscou. Numa Ciro vai além da imaginação. O seu Andor de Coisas Raras, em que se desenha ora como deusa, ora como paciente comum na condição humana, reúne pérolas da MPB e fragmentos de James Joyce (Ulysses), João Cabral de Melo Neto (A Palo Seco) e Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas, um dos cem maiores livros do século).

O espetáculo é surpreendente. Numa Ciro, além de atriz, é contralto com três oitavas de extensão. E se especializou no canto sem acompanhamento instrumental. A sua voz é o andor em que desfilam Circuladô de Fulô, de Caetano e Haroldo de Campos, Béradêro, de Chico César, Maria Ninguém, de Carlos Lyra; boleros emocionantes; e, com letras dela mesma, Replicante (One More Kiss, Dear), de Vangelis, e Libertango, de Piazzolla. Outras delícia, faladas, cantadas, coreografadas: Como São Lindos os Chineses, de Péricles Cavalcante, que a censura militar tomou por exaltação do comunismo e proibiu; o surreal Hipopótamo Tartamudo, de Bráulio Tavares; e Como é Duro Ser Estátua, de Erasmo Carlos, que ela tece com fios de uma comicidade apenas sugerida.

Por onde tem andado Numa desde que, há 16 anos, estreou no Bar Visual, de Campina Grande? Por aqui e por ali, como paraibana volátil. Agora pousou no Rio, a convite de Gabriel Villela, que dirige o Teatro Glória. Tomara que não suma outra vez, nesse mercado ingrato que nem reconhece os melhores. 

Palavra do Crítico: Numa Ciro sabe escolher textos e músicas, escreve impecáveis versões e dá a tudo, como cantora, atriz e letrista, o toque personalizado do seu múltiplo talento. O espetáculo é tão cativante que, quando termina, apetece pedir bis. (A.B)




Camarim  - Teatro Glória

Momento inesquecível:

NEY MATOGROSSO
FLAVIOLA 
CLÁUDIO OLIVOTTO (DIRETOR DO ESPETÁCULO)