quarta-feira, 19 de agosto de 2015

POEMAS de Numa Ciro para MÚSICAS ARMORIAIS

Capa do primeiro disco do 
Quinteto  da Paraíba










Performance Natureza Viva - Acrílica sobre Pele - com o arista plástico
Hildebrando de Castro
No Cabaré da Travesti LAURA DE VISON



Um conto de nada 



Anos 90. Estávamos em João Pessoa, eu e Sílvia, quando nos encontramos com Luiz Carlos Vasconcelos, respeitado ator e diretor, além de personificar o maravilhoso Palhaço Xuxu. Disse-lhe que ia ao Recife. Ele então nos falou do Quinteto da Paraíba e recomendou que fôssemos assistir à sua apresentação durante o Festival de Orquestra de Câmara que estava acontecendo na capital pernambucana. Fomos. 

Chorei durante todo o concerto. Uma emoção estética irrompeu vinda do fundo da minha infância entrelaçada à beleza da execução de tais preciosidades por aqueles músicos virtuosos, numa mistura de virtude com virtuosismo. Trouxe o disco para casa. 



Gracias, Palhaço Xuxu. 





Quando voltamos para o Rio de Janeiro, não parava de ouvir este disco: ARMOIAL & PIAZZOLLA. Tenho um amor particular pelo tango, um respeito e uma admiração especiais por Astor Piazzolla, tanto que escrevi uma letra para Libertango, publicada neste blog. Mas as composições Armoriais do disco me arrebataram. Durante um mês, não saí de casa, fiz uma viagem ao país daquelas músicas. Vivi, numa espécie de epifania, a experiência de retorno e de descoberta ao mesmo tempo.




Fui procurar e encontrei os poemas que escrevi desde os anos 70 até o começo dos anos 80, depois que caí em prantos, quando um sanfoneiro começou a tocar dentro de um ônibus, em Recife. Tinha saído da LIVRO 7 e, para minha felicidade estética, entrei justamente naquele ônibus rumo à Tamarineira, bairro onde morava, pertinho da Praça da Jaqueira. 

Sim, era vizinha do famoso Hospital da Tamarineira, onde exercitava a minha curiosidade sobre a linguagem onde morava a loucura. As curiosidades foram alimentadas pelas minhas descobertas Descobertas da psicanálise à qual devotei  a minha vida até os dias de hoje. Fiz em mim o casamento da Psicanálise com a Arte.
                                 Recife foi o palco e o altar. 

Os ecos do toque daquela sanfona fizeram cantar o meu corpo e pelos dedos as letras tocaram no papel.

Ouvindo o Quinteto da Paraíba e depois re-escutando os discos Armoriais... reencontrados os escritos escondidos há tanto tempo... Uma outra pessoa surgiu dali. Dia e noite, noite e dia... palavras começaram a brotar das notas; versos saltavam dos acordes e os poemas que um dia foram apreciados e comentados pela grande poeta Cora Coralina, casaram com as músicas. As harmonias musicais ofereciam motivos poéticos aos quais joguei minha inteira disposição para construir, no sentido dado por João Cabral, uma escultura poética extraída em verdade e em beleza daquelas matérias musicais primorosas. Em menos de dois meses as seis músicas dos compositores do Movimento Armorial homenageados neste primeiro disco do Quinteto da Paraíba ganharam uma versão para a voz. Passados mais de 20 anos, ainda trabalho no bordado dessas composições. 


ATENÇÃO: Não gravei ainda nenhuma dessas músicas. Estou a me embriagar de coragem para pedir a autorização dos seus compositores. Os dois primeiros com quem já falei foram Antônio Nóbrega e Fernando Barbosa. O acolhimento e o respeito dos dois me deixaram mais afoita para falar com os outros. 


Quero também dizer que não ficarei com nenhuma mágoa caso um ou todos os outros compositores me negarem as parcerias. Sei da importância que que é dada à composição para execução apenas instrumental. Agradeço antes de tudo à inspiração e ao deleite que me foram dados por estas músicas e a força com que tomaram meu espírito e me fizeram escrever. A partir dessa estrutura dada por cada peça, as letras que escrevi podem inspirar e motivar outros compositores para musicá-las. O Futuro a quem pertence?




Trabalhei inicialmente sobre as Três Peças Nordestinas, de 1971, No Reino da Pedra Verde, Aboio Galope  do regente, pianista, arranjador e compositor pernambucano Clóvis Pereira, um dos artistas parceiros de  Ariano Suassuna na criação do Movimento Armorial. Estas Peças, as três primeiras na ordem do disco do Quinteto da Paraíba, foram concebidas pelo seu autor para Orquestra de Cordas e Percussão. Os arranjos e a interpretação das peças pelo Quinteto resultaram numa experiência estética deslumbrante. 

Foi com este espírito de responsabilidade e respeito, de gosto estético e amoroso que me debrucei no universo das palavras para encontrar, se me permitem a analogia, as harmonias e os acordes poéticos, as pulsações e os ritmos nordestinados deste universo tão rico e misterioso, para falar com artúcia desse lugar que me deu nascimento.

Escutemos as Três Peças Nordestinas, tocadas pelo Quinteto da Paraíba, na ordem em que postei aqui nesse espaço as letras que escrevi. 

https://www.youtube.com/watch?v=5BCJmP9qSmQ


Clóvis Pereira











NO REINO DA PEDRA VERDE


Música de Clóvis Pereira
Letra de Numa Ciro






Para João e Aída
meus pais 
que revelaram o amor





No reino da Pedra Verde o trono é um altar
Na Pedra do Reino a onça inspira o cantador
Ver-te vale a vida     ver-te       vem me visitar
Ver teus olhos vale a vista    quero o teu amor

No Reino da Pedra Verde um mundo se criou
Colocado em seu mistério     mundo que será
Fui atrás do mundo agora mundo se encantou
Um misterioso mundo quero decifrar

Pro veneno da paixão
O amor é a salvação
Pra rezar a dor de amor que enfrenta a solidão
Um ramo de bem-me-quer
Um verso de Mallarmé
E pra casar com o amante ideal
No altar ao sol poente o sim vem do luar

Habite o reino das musas
Procure o verso ideal
O tempo é seu professor
Na peleja em cantoria vencem rimas de amor

No reino da Pedra Verde o sonho é um lugar
Fabuloso pelos seres nas incrustações
Na Pedra do Reino o sonho é conto pra reinar
Pabuloso nas conversas nas animações

Toda vez que se aproxima o tempo de chover
No sertão as aves cantam para anunciar
Quando cantadores juntos vão aparecer
A partir do desafio  mundo vai rodar

Mundo vai rodar


Cirandá

Cinemá

Lia D’Itamaracá

Murmuré

Caribé

Toca o Pife  Zabé

 

A rabeca sorriu 

Arte vem do vazio

Vitalino soprou

De onde vem o Amor?


O amor da gente reina em qualquer lugar

Em qualquer lugar um reino tem seu cantador
Ver-te vale a vida     ver-te     vem me visitar
Ver teus olhos vale a vista quero o teu amor

Cantador que engana o tempo  venho lhe pedir
Um favor que só se paga com a gratidão
Distraindo os meus sentidos cante o que sentir
E eu sentindo a dor no verso engano o coração

Esperar por quem não vem são coisas do esperar
Pra chamar o amor que tem preguiça de voltar
Da Cirandeira   as canções
Dos ossos   todos os sons
E pra viver sete vidas sem sofrer
No Reino da Pedra Verde não se nasce pra morrer

Escute os sons do passado
A Arte não passará
Viver é sonho criado
Em artística esmeralda para musicar


Comemoração dos 80 anos do maestro Clóvis Pereira


ABOIO

      Música de Clóvis Pereira
Letra de Numa Ciro

  
Quem me chamou?
De longe eu ouvi um cantar    cantar de amor…
Eu quis ouvir mais perto de mim
A voz de um amor

Anoitecendo  vem   uma inquietação
Olhar solto no abismo... a perguntar...
Será céu?  Será chão?
Acendo o lampião,
ou deixo o escuro entrar?
Ai que jeito sem jeito eu fico assim de esperar
Desde o entardecer

Vem ao anoitecer
Escuto a voz de um anjo
Ao trazer    ao tanger seu gado
AboioAboioAboioAboio Ah boi ah

Tangendo a solidão
Vencendo as rédeas vem
Vem conquistar abraços
AboiAboioAboioAboio Ah boi ah

Repete a voz mais perto a mesma condição
De tanger seu destino
Até que encontre um sorriso ao chegar

Tomei um banho inteiro
Lembrei do pó de arroz
Meu perfume é segredo
De carmim meu batom
Eu vou já já jááááááááááááá

No batente da janela debrucei meu corpo em flor
E o vestido de domingo decotado em seu louvor
Fez de mim a desejada quando o olhar do amor me alcançou

Ah!     quem chamou?
De dentro eu ouvi   um cantar   cantar de amor!



GALOPE
ou
O Sonhoso do Cavalo Branco 


Para Ariano Suassuna 

                                         Música de Clóvis Pereira
                                   Letra de Numa Ciro





Este poema que escrevi para a música Galope, de Clóvis Pereira, é meu modo poético de cantar a história do “Rapaz do Cavalo Branco”, contada no romance A pedra do Reino, de Ariano Suassuna. 





I
Em galope à beira-mar
pelos reinos do sertão
o Sonhoso aventurou
jogou tudo na peleja do amor

Belo prinspe em montaria
como Buda ignorava
seu destino e a velhice
morte doença e a pobreza malvada

Em galope à beira-mar
pelos reinos do sertão...
De amor viveu
De amor morreu

Damas-de-copas no seu escudo
Manto vermelho e formoso gibão
Negro   amarelo   castanho   escarlate
O coro trançado com as cores do chão

Era um mancebo alumiado
Donzel sertanejo que nem gavião
Moço encantado imitando o danado
E a Moça encantada com o céu do sertão

Foi dado ao rapaz o mais nobre cavalo
Tremedal o seu nome na lenda encontrou
Mais branco que o branco do branco mais alvo
Narinas rosadas   quem viu invejou

Digo o que ouço e o que me foi contado
Era um corcel   igual nunca existiu
de crinas e cauda do tom mais dourado
Imagina quem sabe o melhor desafio

Tão bela surpresa se fez ao donzel
a moça do sonho era a bela mortal
que agora sorria debaixo do céu
vivinha bulindo no mundo real

Com olhos sonhosos em tom verde-anil
cabelos compridos castanhos e as mãos
ao longo cobertas nenhum homem viu
apenas o dono do seu coração

O manto era negro bordado de prata
No centro a figura de três animais
três onças vermelhas em campo dourado
Brazão do donzel  seus carimbos reais

Como pode o acaso tecer
a trama de amor nesse canto imortal
No escudo do manto fez aparecer
a cena do texto que vem no final

Paciência  eu vou contar
as bravuras de um coração
apaixonado   incapaz de esquecer
Poeta a perder por um verso a razão 






II

Foi num tempo que não fica
num lugar que se encantou
um rapaz perdeu a vida
no cordel ressuscitou

No reino da literatura
a verdade é imaculada
Na mentira é imatura
No sonho   a miragem da vida inventada

Em galope à beira-mar
pelos reinos do sertão
De amor viveu...
De amor morreu

Sentiu na sonhosa a leveza do vento
e sonhou  o futuro nos braços da paz
Assim o donzel apeou-se no tempo
pedindo pra sempre o amor tão fugaz

Era um guerreiro assinalado
Do povo   a esperada e sagrada missão
trazer as riquezas do reino encantado
gloriosa demanda que anima o sertão

Emparedado por duas ideias
Das duas  jamais poderia escapar
Se o sangue da raça são doces colmeias
o mel do amor pode até sufocar

Travante batalha entre dois furacões
na alma do jovem donzel se alastrou
Reinaços   espadas   castelos   paixões
Quimeras   prodígios  e o moço chorou 

Na bela passagem desse cordel
bordada no escudo do manto real
a imagem do sonho de amor do donzel
a jovem sonhosa de olhar sem igual

Foi a desgraça do prinspe donzel
se olhar nesses olhos no centro do olhar
e o vinho sagrado beber  de revel
num manso guerreiro se viu transformar

Surgiu de repente dos goles do vinho
visagem completa do amor ideal
Fizeram do solo mais duro seu ninho
Louvaram seus sonhos num abraço imortal

Vou deixar nessa estória
a incompletude do escrever
Cada um com sua memória
faça no fim seu desejo viver

Reine em si o galopar
das bravuras de um coração
apaixonado incapaz de esquecer
Poeta a perder por um verso a razão.




Capiba
Anos 20



TOADA E DESAFIO

Frevo de CAPIBA
Letra de Numa Ciro


Toada e Desafio é a quarta música deste disco do 
Quinteto da Paraíba. Inicialmente compunha o primeiro disco do Quinteto Armorial: Do Romance ao Galope Nordestino




I
TOADA

Sinto estranheza sem fim
Sem descanso de mim
Nenhum longe no olhar
Nada espera ou distrai
Mormaço intenso desafio

Chuva  chuva  chuva  chuva vem
Chuva cai no telhado e lava a solidão
O avesso de aqui é o reverso de mim

Tonta  tonta  tonta  canta dor
Ai que tom de arrepio
Ai de nós desse estio
Quem ouviu? Quem falou?
Quem me dera um amor que considere o desafio

Raiva tanta, tanta
Disse aqui
Pensamento voou
Doidice me acendeu
Eu cismei de encontrar a modo de ter
Tudo  tudo  tudo 

Pensei nas primas    irmãzinhas
Madrinhas      tias    quintais
Foi quando a saudade deu sinal
Pedi pelo esquecimento

Santa  santa  santa sedução
Pensei nas vacas e cabrinhas
Guinés    araras    concriz
E quando eu cheguei no açude vi
um descanso de viver 

Noite  noite  noite acendeu
Sinto estranheza sem fim
Sem descanso de mim


Capiba



II
DESAFIO


Desafiar estranheza do tempo
Ignorar as demandas de si
Olhar ao longe e gozar dos sentidos
Mormaço aquece a ilusão
Risca aí

Sanfona surdo zabumba atabaque
Viola caixa rabeca e pistão
Os cantautores fazendo da arte
Um desafio de matar de emoção

Chuva lava o arrepio
Solidão não precisa de sofrer
Vem de onde aquele rio
Quem viver nem se lembra  de morrer

Raiva santa desafio
Pensamento de doidice me acendeu
Ai de ti conselho meu
quem beijou tem a vida por um fio

Cante a paz meu cantador
Não deixe a vida por orgulho se perder
Cante em paz por onde for
a correnteza do instinto de viver

Vou em paz se me deixar
o destino e o desejo me levar
Por um verso eu mato e morro
E por um beijo desafio pra cantar

Desafiar estranheza do tempo
Ignorar as demandas de si.



Antônio Nobrega 


RASGA

                                                   Música de Antônio Nóbrega

Quinta música deste disco. 
Também inaugurou o primeiro disco do  Quinteto Armorial:
Do Romance ao Galope Nordestino 


Letra de Numa Ciro



Rasga  rasga  rasga  som
Rasga  rasga  rasga  tom 
Rasga  rasga  rasga  véu 
Rasga  rasga  rasga  céu

Lua rasga-se em luar
Fogo rasga-se em clarão
Cariri rasga o olhar
Abre-se a flor do algodão
Vento vento hei de voar
Acauã hás de voltar
Curió hei de cantar
Coisas  coisas  do Sertão


Quando a vista alcançar
Rasgão de espanto ante o fogo desse olhar
Aiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaaaaai
Nisso eu disse avisto o Sol em seu lugar
E no fluxo do que eu disse vi correr misterioso rio interior
Um rio de amor

Quem não disse adeus
Sai cantando como as aves

Rio   passa rasgando o chão
Viu? Ave que nem gavião
risca o céu  risca o céu
riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiisssssss

Cá no roçado o arado rasga o arado rasga o arado rasgador que diz
que o amor demais o amor demais rasga o coração
Lá na floresta o machado corta o machado corta rasga a ilusão
Vou pra cidade  tem o viaduto
Risca o céu  matuto  meu olhar em vão
Fazer as malas corta a alma eu volto!
Faço até promessa à Santa Padroeira do Sertão
Fazer as malas corta a alma eu volto!
Faço até promessa à Santa Padroeira do Sertão

Arado rasga
Machado corta
Cidade risca
Cantiga diz
Onça do mato
Matuto é belo
Querer eu quero me distrair
Quem vai comigo ganha amizade
Deixa a saudade que há de sentir
Sentir saudade amar de longe
é dor inútil pra se sentir  risca aí

Guiné mata a fraqueza ao cantar dizendo assim:
Tô fraco! 
Tô fraco mas eu canto sem sequer me presumir
Rendeira faz a renda e rasga o tempo sem sentir
Presume cada volta do seu bilro para mim

Onde a vista alcança
Onde a sorte mora
Onde a condição de ser feliz não tem demora

Yanomami sabe o risco
Kranak ouve a selva
Ashaninka entre feras dorme feito uma criança

Povos da Floresta Esperança





 Boré


Sexta música deste disco do Quinteto da Paraíba. 
Originalmente pertence ao Lado B do LP do Quinteto Armorial
Do Romance ao Galope Nordestino
 
A princípio, escrevi uma letra para caber nesta música. 
Mas, a posteriori, criei outra melodia para minha letra e nomeei a minha própria composição final. 



La Ursa
Carnaval no Nordeste





Música e Letra de Numa Ciro 


Urus urus urus
Onça onça onça
Carnaval vem La Ursa
Onça onça
Cariris Pancarus

Em forma de porta-voz
Sons da boca de sino
Canto louco Toré
Em forma de porta-voz
Sons da boca de índio
Canto solto Boré

Nhenhenhenhenenhenenhenenhen

A modo de sedução
Seriema cantou
Boré
Flauta de osso de ave (Caiapó)
Baraúna floriu
Olhar firme pegou
Quem vai dançar?
Quem vai dançar?
Quem vai?

Quando o côco tocar
Se o caboclo descer
Lamparina brilhar
Pensamento sentir
Sentimento pensar
De par em par
De par em par
Ímpar
Toré, Côco, Boré


Depois que compus os versos para as músicas armoriais presentes neste primeiro disco do Quinteto da Paraíba, fui me dedicar a ouvir novamente o próprio Quinteto Armorial, que fazia parte das  preciosidades musicais que orientaram a minha formação estética. Tinha acompanhado a origem e o desenvolvimento do Movimento Armorial. Naquela época, anos 70, morava em Recife. Voltei para morar em Campina Grande e me tornei professora no Departamento de Educação, da Universidade Federal da Paraíba. Da mesma forma os músicos Fernando Pintassilgo e Fernando Barbosa, componentes do Quinteto Armorial, que havia se dissolvido em 1980,  também de tornaram professores de música do Departamento de Artes daquela Universidade. Lembro que nas greves dos professores fazíamos concertos no final das assembleias. Eu cantava músicas do repertório de Mercedes Sosa, Violeta Parra, Victor Jarra e Pintassilgo muitas vezes acompanhava-me com a flauta. 







A seguir, as letras que compus para as músicas armoriais a partir das gravações do próprio Quinteto Armorial.   

Disco 

Do Romance ao Galope Nordestino

1974


Antônio Nóbrega



PONTEIO ACUTILADO

Música de Antônio C. Nóbrega
Letra de Numa Ciro 


São coisas do amor
Viver em harmonia
O dia se mistura com a noite em cantoria

Tocar o dia a dia         noite e dia murmuré
Passo a passo danço   canto enquanto voz tiver

Ali você me encontra no ponteio entre os sons
Cultivo a sutileza e uso a força em micro tons

Conforme o verso é hora de deixar de ser feliz
Depois a paz tem volta no cutelo do aprendiz

Quem diz que não se aprende a pontear nesse esplendor 
A musa entrega o verso e a gente escuta o cantador

Pra decifrar o sonho e encontrar o grande amor
Pra distrair criança e adoçar o dissabor

Quem diz que reconhece os tons brincantes divinais
Nos ecos do ponteio a frase volta e volta mais

O som faz um passeio pelos vales e trigais 
Põe mesa arruma casa faz comida e muito mais

Arranca o sol da noite acutelado no seu dom
Arpeja luas novas aves raras Ano Bom

Nas cordas da folia o verso canta todo dia
Toda noite   todo dia    noite a noite   dia a dia

Bem te vi na cantoria vi teus olhos de alegria
Tua boca então sorria e eu nasci naquele dia

Já vesti a fantasia na cabeça a utopia
Já gostava de anarquia tenho até fotografia

São coisas do amor 
Cair na sedução
As cordas da rabeca eu tirei do coração

São coisas do amor
Aparecer sem avisar
O arco da rabeca se curvou pra te olhar

Nas voltas do ponteio pergunto se encantei
Acutilei o verso demonstrando o que não sei
Acutilei os versos pra dizer de onde eu vim
Vim Vim ponteia o tempo e por isso eu canto assim

A luz não tem começo, o mundo não tem fim
Começo a fazer você gostar de mim
Pra confiar no tempo do amor eu canto paz
Ponteio cada nota nos tons mais passionais


O Casal Brincante
Rosane Almeida e Antônio Nóbrega



Asa Branca 
Voa voa voa voa vou ahhhvoar
Brincante dança e meu amor vem me abraçar
Atrás vem chuva forte e até a fauna já sentiu
Sonha pensa dança sem parar

Ave! moça, lua lua lua lua ah! luar
Estrela guia o meu amor vem me beijar
Na frente tem segredo e o desejo é descobrir
Sonha, pensa, canta sem parar

Tô indo a pé
Sorrindo até
Pé pé pé pé
Sorrindo até


Antônio Nóbrega



Vamos pontear um galope à Beira-mar
Vamos passear num galope à beira-mar
Vamos passear num galope à beira-mar
Vamos pontear um galope à Beira-mar

Desprezo a nota falsa afinando os corações
Procuro a nota exata na viagem dos balões
Pra confiar no sonho alucinante eu cantarei
A nota inseparável da certeza que terei

A luz abre o começo, o som coloca o fim
O sim diz a que preço o eu termina em mim
Pra confiar na letra que distingue o fim do sim
Direi o sim na hora e quem quiser que diga fim

Aventurei o mundo que eu tenho em minhas mãos
Oferecendo o sonho pelos sims e pelos nãos
O mal-me-quer me caça acutilando o coração
O bem-me-quer me salva ponteando a emoção

Me parte o coração
Me trate a ilusão
Me abrace a sorte
Avanço ao norte
Alcanço o céu e o chão 


Fernando Pintassilgo, Antônio Madureira, Egildo do Nascimento, Antônio Nóbrega  e, sentado, Fernando Torres Barbosa




Antônio Madureira


Romance da Bela Infanta

Romance ibérico do século XVI
recriado por Antônio Madureira


Letra de Numa Ciro



Jamais foi tão feliz sofrendo por amor
Bela infanta ilude a corte 
Engana o reino ao ver a luz
Louca sorte! 
A luz dos olhos de um guerreiro sonhador

Tão bela infanta estava ao dispor
de um estranho senhor visto num retrato
Sua ama em silêncio mostrou-lhe o quadro

A bela infanta pediu pra morrer
“Esse estranho senhor não será meu rei!”
Sua ama em silêncio apontou-lhe a lei

Inês Rodrigues



Jamais foi tão feliz sofrendo por amor
Bela infanta ilude a corte
engana o reino ao ver a luz
Louca sorte! a luz dos olhos de um guerreiro sonhador

A bela infanta uma carta mandou
e o guerreiro feliz prometeu-lhe o céu
Sua ama em silêncio entregou-lhe o véu

A bela infanta quando anoiteceu
Foi levada em seu véu num galope exato
Sua ama em silêncio apressou-lhe o passo




Romance de Minervina

Romance Nordestino, provavelmente do século XIX, 
recriado por Antônio Madureira



A louca no Jardim 
Gravura de SAMICO



Letra de Numa Ciro

Encantada com o amor
Minervina enloqueceu
Não bordava e nem comia
Só cantava e olhava o céu
Não fiava e nem dormia
Só cantava e olhava o céu
Respondia sem falar
Seu pensar louco escondeu

Quem teria o seu amor?
Ninguém sabe responder
Quem fez com um mero olhar essa menina enlouquecer?
Sorriso com qual promessa fez Minervina enlouquecer?
Perguntava sem falar
Seu olhar ganhava o céu


Da esquerda para a direita:
Fernando Pintassilgo, Antônio Nóbrega, Antônio Madureira,
Egildo Vieira do Nascimento e  Fernando Barbosa



    BENDITO

                                       Música de Egildo Vieira do Nascimento 

                      Letra de Numa Ciro



Bem dizer meu cantador
Bem dizer nossa função
Bem dizer seja o que for
Bem dizer esta canção
Vou dizer

Digo o meu bem dito
Quando dito não retiro
Digo e Disse até repito
Só suspiro de paixão

Reza o seu bem dito
Diga ao coração aflito
A peleja do conflito
Aparece em oração

Pega na palavra morde a onça amarra o bico
Canta o tico-tico-tico no jardim do seu amor
Olha o sanfoneiro quando puxa o seu Bendito
mostra a saia do instrumento no plissado sem pudor

De verso em verso eu canto
De letra em letra eu digo
Quem disse que eu não creio
Quando a reza é um Bem-dito

Quem disse que eu não creio
Se a reza é um Bem-dito
De verso em verso eu canto
De letra em letra eu dito

Se a reza é um Bem-dito
Quem disse que eu não creio
De letra em letra eu canto
De verso em verso eu leio

De verso em verso eu leio
De letra em letra eu dito
Quem disse que não creio
Quando a reza é um Bem-dito

Além, Além, Além, Além


Disco 

ARALUME


1976



REISADO

Música    Egildo Vieira do Nascimento
Letra       Numa Ciro



Brincante da Folia de Reis 


Bilu bilu bilu bilu bilu bilu
Bilu bilu bilu bilu bilu bilu
Bilu bilu bilu bilu bilu bilu
Bilu bilu bilu bilu bilu bilu


Ô de casa deixe entrar a mais linda aparição
que um vivente pode ter dos mistérios no sertão
Nosso mestre vai abrir e reinar nessa função
A burrinha faz sorrir     a cigana pede a mão



Brincantes da Folia de Reis 



Ô de fora pode entrar: Esta casa vai honrar 
o prazer de receber Boas Novas do lugar
Gentileza e rica mesa pra quem gosta de beber
Nessa festa todo mundo um reinado pode ter


Folia de Reis 


Bilu bilu bilu bilu bilu bilu
Bilu bilu bilu bilu bilu bilu
Bilu bilu bilu bilu bilu bilu
Bilu bilu bilu bilu bilu bilu


Boa noite minha gente   vamos nos apresentar
Nós viemos do oriente para as artes consagrar
Nossa vida ao próprio rumo as estrelas guiarão
Os folquedos desse mundo muitas loas cantarão

Venham todos assistir o Reisado anunciar
Quando nasce uma criança  vida nova vai reinar
Seguir nossa estrela guia  obedecendo ao coração
Na batida da folia nossa consideração


Folia de Reis


Você aí:  Se não casou não precisa casar
Aquele ali: Seu olhar triste é capaz de matar

Vamos passear fazendo feira
Comprar calunga     
Ouvir os cegos a cantar
Lá na barraca de Teresa
Marcar encontro  e   ver o mundo cinemar
Comprar calunga é ver o mundo cinemar
Cantar dos cegos faz o mundo cinemar

Vamos dizer adeus e fica nossa consideração
Vamos dizer adeus e fica nossa consideração
Adeus, até São Sebastião
Adeus, até dia de São João



LANCINANTE

Música de Antônio José Madureira
Letra de Numa Ciro



Asas quero avoar
e pousar naquele amor
Lancinante o meu querer
Alucinante a espera
Escritura me alucina
Quem me dera decifrar...


Capivara     gavião
Peixes         leques de pavão
Alucinante escultura 
na gravura indicada pelos traços do sertão


Cateretê         combinar
Maculelê       vocação
Mandacaru     condição
Xique-xique nega    
A seca existe   
A flora insiiiiiiiiiiiiiiiiissssste!


Luta   luta   luta  luta  luta
Justa  justa         justa  justa
Luta   justa   luta  justa  luta
Justa   luta   luta  luta  Justa   


Lancinante galopar
Alazão riscou o chão riscou o chão riscou o chão
Lancinante aquele olhar
que dize adeus   que diz adeus   que diz adeus   que diz adeus
Lancinante envergadura no desenho do artista
Arte inventa o seu lugar
Beleza vê   beleza vê   beleza vê   beleza vê




DISCO 

1980



ZABUMBA  LANCEADA


Música: Fernando Torres Barbosa
Letra de Numa Ciro




Fernando Torres Barbosa tocando Marimbau
Universidade Federal de Campina Grande


I
Ela

Sombração, que faz no aceiro dessa estrada, hem?
Onde o seu olhar perdeu a liberdade? Ou...
Estou enganada pelo seu modo de ficar
Olhando ao longe sem sair do caminho




II
Ele

Atravessando o Cariri de sul a norte
É meu destino gosto e sorte admirar
O meu olhar procura a sorte nos teus olhos
Aqui cheguei
Vim pra ficar
Beijar-te-ei na hora eterna mais recente
Vou procurar a flor do Lácio entardescente



Quero um abraço à luz do sol poente
Quero teu cheiro de jasmim no fim do dia
Terás em troca meus cantares de alegria
Verás o dia que querias ter razão
Um sim ou não? Não digas nada
Levar-te-ei ao pé da Serra do Ganzá
Vamos dançar até o dia clarear
Rodopiando no melhor passo
Feito a zabumba lanceada de paixão
Pelos rumores do meu louco coração
Abandonar-me nos teus abraços
Beijar teus lábios até quando o mar secar
E assim respondo teu primeiro perguntar
E agora fale se é meu dia de razão
A tua fala pode até me condenar
Estou perdido mas estou em tuas mãos
De amor se perde a maldita solidão
A lua nasce lá no céu do seu olhar.
Sou inocente quero estar em seu altar.




III
Ela

Criatura, tu me matas de alegria Ah! Ah!
Eu vivia do desejo de encontrar-te a sós
Na vertigem desse encontro do olhar com a voz
Cala o mundo canta o tempo constelações

IV
Ele

Quero saber das novidades
Trouxe revista livro flores




V
Ela

A seriema canta as dores
da viuvez de Mariana
Foi pra escola esta semana
a caçulinha de Luíza































VI
Ele

Eu trouxe mais de cinco metros
De linho branco pras camisas
E dou um doce pra quem queira costurar
Eu vou mais longe dou um beijo em quem bordar
Mas pego a reta se ninguém me convidar
Maria das Neves, cadê Bilila?
Cadê os filhos de Aída?
Lá vem Gaspar trocar notícia
Caduda vende o melhor queijo
que já se fez na Paraíba
Agora vejo quanto gado!
Menina, como és bonitinha
Quero deixar os pés descalços
Beber da água da quartinha
Comer raminhos de Joaninha
Agora vem dizer se tu gostas
Do disco novo, da saia nova





VII
Ela

Oh criatura, tô quase morta, caída, encantada
Tua chegada assim de improviso
Naquela pose no aceiro da estrada
Igual a tudo que eu quis e duvido
Que exista alguém mais feliz
Nem aquém nem além
Nem de ouro...
Terás agora carinhosamente
os mimos da casa
E nas conversas sem fim
já pressinto o calor das risadas
na mesa posta no alpendre
onde a vista se perde nas matas 



VIII
Ele

Pareces um biscuit
sorrindo ao me falar
Teus dentes de marfim
mordendo o meu olhar
Maracujá em flor
Lençóis no quarador
Teu corpo lembra o céu
nas noites de calor





















IX
Ela

Agora vem vem vem morar
Lá dentro tem tem 
manjar do céu
Agora vem vem vem amar
Na casa tem tem luar de mel
Você não sabe como a terra
aqui se faz de paraíso
Vamos brincar de eternidade
perder o medo e o juízo.
Vamos entrar!!!


















RAUL DE MORAES




Marcha da Folia

Frevo de Raul Moraes (1923)



Letra de Numa Ciro


No carnaval conheci a vida
Na folia do destino um grande amor eu encontrei
No carnaval quem não apresenta 
para os deuses fantasias de palhaço ou de rei


Não mostra os sonhos da sua infância
Jamais espera o clarim tocar
Perde o horário que sai o bloco
Não vai no mundo se encantar

A natureza de tal folia 
é marcar os passos do coração 
Está no jogo da fantasia  brincar
no palco da ilusão

No carnaval descobrir o mundo
é no navio do desejo um oceano navegar
Piratas, mouros, fadas e princesas,
papangu, laursa, índio, 
Todos no mesmo lugar

Fazendo o velho virar criança
A moça feia se traduzir
E de repente acordar vedete ou atriz
Maracatu sair

A odalisca descreve o conto
das mil e uma noites assim:
O querubim beija a mascarada, 
o luar abraça o arlequim.

  

COCADA

Música de Lourival Oliveira
Letra de Numa Ciro




Lá vem o maracatu
Minha mãe quero ver
Calunga dançar
Minha mãe quero ouvir
Batida crescente
Congado reinar

Bate mais forte  coração
Bate mais forte  coração
Madeira e cera e seda e faz-de-conta aê Coroação!

Princesa  Nação
Bandeira  Pavão
Toque      Precisão
Tom        Variação

No passo marcado
O baque virado
A lança estandarte
No toque dançado
O corpo enfeitado
De manto bordado
Não fosse essa arte
O mundo calava
Acabava o que é doce

Vai ver se não viu
Quem diz o que é arte
E sai no carnaval
Enquanto passa traduz um cortejo real