quarta-feira, 1 de abril de 2020

PERFORMANCE POÉTICA PARA OUVIDOS MAMULENGO



Para 

FLAVIOLA
e Tio-Zé-Victor 



O DIA QUE EU  VI

QUANDO LAMPIÃO LEVOU O CEGO VIVALDO

P'RA VER O MAR

ou

EU NÃO VEJO MUITO BEM




Somente o cinema mudo sabe dizer o que é isso

Isso é coisa de Eros






INTRODUÇÃO AO DIA



1.
Eu jamais esquecerei aquele dia ensolarado.
O verão fora do tempo, que ano desachuvado!
Corria o mês de São João, São Pedro trancafiado
Bebendo a água do céu e o chão na terra abrasado.

2.
Acordei naquele dia, ainda estava sonhando.
Levantei tangendo raven e o never me puxando.
Vesti a saia de pálpebras, os olhos abrindo e fechando.
Para onde irei nessa luta entre o logo e o não-sei-quando?

3.
Logo, o logos me expulsou para os lados da saída.
Sem destino, de memória, ouvindo a ópera Aída, 
Segui a passos velozes pisando a dúvida vencida.
Das asas do vento arador, caí nos braços da vida.

4.
Oito léguas mais tarde, uma voz me alcançou.
Uma voz inesperada. Ora, ninguém me avisou.
Tatuei meus pés na estrada. Ora vejam quem chegou!
Nenhum passo para frente, ora, para trás é que eu não vou.

5.
Em segundos minha sorte foi laçada pelas musas.
Ou eu canto o mote certo, ou me assombram as medusas.
Então chamo em meu socorro as fusas e as semifusas,
metáforas e metonímias. De medo troquei dez blusas.

6.
Quem diria que eu teria aquela surpresa danada?
Do meio do mato escondido salta a surpresa na estrada.
Adivinhou quem pensou que eu quedei atordoada.
Imaginou mas errou quem pensou numa emboscada.

7.
Via tudo acontecendo na minha frente e atrás.
À minha volta rodavam cenas de nunca e jamais.
Vi gente que não me via no mesmo instante e, aliás,
Desentendi quem vivia, se era eu ou os demais.

8.
Escorreguei na surpresa e caí na sedução.
Me deitei nos trilhos do sonho e esperei a salvação:
O apito do destino ou um aviso da razão.
Quem vai me dizer agora? O que diz meu coração?

9.
Meu coração tem razão quando diz que desconhece
As razões do coração de quem depressa me esquece.
Eu esqueço num segundo o , o  e o Esse,
A, o , e o X do nome de quem não merece.

10.
Não merece o quê, my dear? Vou naquele requebrado
Voltar pra beira da estrada. Lá vou eu de pé trocado.
As musas me largam sozinha nas horas do descantado
E as medusas aparecem, não carecem de chamado.

11.
Como eu estava dizendo quando dei curva no tino,
No instante em que troquei dez vezes de figurino,
Seguirei a estrada afora xique-xique, eu me defino.
Até parece esfreguei um lampião aladino.

12.
Eu disse o quê? Lampião? Bonita! vou me acender.
Esse nome alumiou as coisas que eu vou dizer.
Lampião foi a surpresa que saltou e me fez ver
Naquela estrada deserta a visão de quem não vê.

13.
A visão além do alcance somente ao cego há de vir.
A luz dos olhos acende o prazer de se iludir.
A mentira e a verdade se casaram pra fingir
E seus filhinhos herdaram as feições do confundir.  

14.
Foi justamente esse tema que afundou meus pés no chão:
Nem pra frente nem pra trás, batestaca o coração.
É de casa ou é de fora, essa estranha aparição?
Fecho os olhos e escuto mão amolando facão.

15.
Aperto os olhos mais fundo e levo as mãos ao pescoço.
- Vão sangrar minha esperança de ficar velha, seu moço?
- Se não era uma emboscada, fica fria, que alvoroço!
Era apenas a lambida do pensamento no osso. Ouço.

16.
Aos poucos fui desmanchando a pose aterrorizada.
Alternei os pés no chão e caí na gargalhada.
Os palhaços me cercaram e eu virei mulher barbada.
O mágico tirou a barba sem nenhuma navalhada.

17.
Quem disse que em tela dos outros não se mete la couleur?
O mágico, ateu do ditado, ante mim virou danceur.
Daí eu já era outra, um pouquinho mais meilleur.
A domadora das feras com chicote et sans rancoeur.

18.
A mascar chiclete bem alto, tirando a calcinha da bunda,
Fingindo ser dona das feras e do Olimpo oriunda...
... Cansei da jaula e montei na minha própria carcunda
E num segundo pousei na superfície profunda.

19.
O picadeiro na Strada era caminho e lugar.
Andarilhos, residentes, gente e bicho a conversar.
Onça pintando perigos, gavião riscando o ar,
Preguiça engolindo saliva com preguiça de buscar.

20.
Era tanta coisa que eu via que nem dava pra saber
Se era real ou encantada a beleza do prazer.
Eu era tudo o que eu tinha e tinha tudo pra ser
O que o desejo quisesse que nem soubesse dizer.

21.
Subi de novo nas asas de um pensamento infiel.
De volta ao futuro dos vivos: um presente tão cruel.
Passei o passado a limpo, mas só matei cascavel.
Dei várias voltas ao mundo em cada lua de mel.

22.
Casei tantas vezes quanto as artistas de cinema.
Casavam e se arrependiam: cada galã!!! que dilema,
Escolher apenas um, jogando os outros no Senna,
ops na cena!
Quem iria recusar rimas raras num poema?   
                                                                      
23.
Não importava quem fosse o belo protagonista.
O mais famoso, o mais rico, o herói, o grande artista.
Sempre havia um mais tesudo, um menos mudo, o equilibrista.
Entre o homem e a mulher, uma criança se avista.

24.
Um anão apareceu trazendo Macunaíma;
Gigantes-pernas-de-pau andando pra baixo e pra cima.
A ninfa Eco gritava somente as letras da rima:
Das frases que não falava, escoava a sua estima.

25.
Nunca estive nesse conto... mas passava aqui todo dia.
Estranho a estranheza do espanto: é tristeza ou alegria?
Uma saudade aparece Nua! Tesuda! Vadia!
Saudade das que maltrata e mata nas covaRRRdia.

26.
Estou dormindo sonhando? Ou sonhando acordada?
Essa multidão de artistas fazendo palco de estrada...
Somente pra me alertar com essa pergunta malvada:
Por onde a arte caminha? É pela beiiiira do nada?

27.
Quem me olhasse não veria esse íntimo alvoroço.
Andando sem data certa, sem endereço no bolso.
Ai quem me dera papai pra me pendurar no pescoço.
Ai quem me dera mamãe me desse do peito o almoço.

28.
Estou sozinha de novo oh sol inclemente do céu.
Quero fazer malabares nesse tal de mundaréu.
E as surfistinhas da noite? a andar de déu em déu?
Cadê a doida? Quem dava pra louca?
E eu sempre rrrrr-eu!

29.
De repente eu escuto esse raríssimo diálogo:
- Boa tarde, Cego Vivaldo, és de fato meu análogo.
- Boa tarde Lampião, te procurei ali no catálogo.
Esse encontro já estava escrito lá no decálogo.

30.
Esquentei dos pés à cabeça e fiquei toda arrepiada.
Se foi delírio esse encontro yo lo transmito medicada.
Se foi real, cai no mesmo, a fantasia é sagrada.
Irei contar por aí, mesmo sem prova nem nada.

31.
Solo sé que me volvi em direção à conversa,
Para ver com os próprios olhos que novidade era essa.
Disse assim assim com meu rirri*: - olha pra isso sem pressa.
Desliza bem nos detalhes, o inusitado atravessa.

32.
O detalhe foi the best que podia acontecer.
Eu via os dois e eles dois não demonstravam me ver.
Assim eu fui testemunha do mais louco entardecer.
Debaixo de um pé de estrelas armei rede pá escrever.

33.
Não pense qu’stou tão cansada a ponto de me omitir.
Saí de casa tão cedo e como foi duro partir.
Mas quando disse: - Já vou! Vim logo p’ra não desistir.
Agora cheguei nesse ponto: vou me enredar pá transmitir.

34.
Quero seguir em silêncio, passo a passo, essa história,
Para botar  sic  ao lado de cada interlocutória
E para isso é preciso que não me falhe a memória.
Se eu conseguir, eu prometo pagar promessa na Glória.

P.S.   OH! Glóóóóória$$$$$!





SECONDESTATION


Isto é


de segunda mão


quero dizer


Brechou


ou então...


... de olho na coisa fora do costume...



METODOLOGIA DA TARDE



1.
Como seguir em silêncio, se a história é barulhenta?
Muito barulho por tanto vou contar até quarenta.
Não quero Babar ali, já me fartei de água benta.
Corri pra roubar o verso que alegra e amamenta.

2.
O desejo abre as asas aos anjos das internetes.
São asas velozes do tempo, avohai marionetes!
Quem corre mais do que eu, pilotando patinetes?
Um pé lá e outro cá, num pescar d’olhos esqueces.

3.
Esqueces que te beijei? Que eu conheço teus segredos?
Esqueço a panela no fogo imaginando folguedos.
Moi crê nos improvisos e sente tremores sem medos:
Criança se vê na vitrine do mais cobiçado brinquedo.

4.
Sigo e persigo os mistérios, porqu’ eu sei que nada tem
Nem aqui nem acolá, nem nos olhos de alguém.
O beijo inventou a boca e o cafuné, foi meu bem.
Eu me mato todo dia, mas não morro por ninguém.

5.
Eu sou cega de nascença sem ser cega de verdade.
Cê entendeu o que eu disse? Nunca nego minha idade.
Eu só minto pra mim mesma, ess’ é minha vaidade!
Orgulhosa que nem faço concessão às novidade.

6.
Nada de novo, anjo bom, foi assim, coisa e tal.
Tal como era uma vez, outra vez desigual.
Se o pecado existe, e a escolha, a preguiça é capital.
Lembro de tudo que eu quero, só esqueço o principal.

7.
De repente, sem querer, vi dois pares de alpercatas.
Parecidas, paradinhas, frente a frente colocadas.
Andei com a luz do cinema... do chão às nuvens aladas.
O corte no olho do sonho acordou as mascaradas.
                                              
P.S. Flechei o foco e parei no perfil dos camaradas.

8.
Pareciam dois bonecos de cera de pano ou de pau
Parados no meio da cena antes do ponto final.
A imagem congelada e lá  ao fundo o milharal
Agitado pelo vento survivant et virtual.

9.
Vou mexer neles, nos bonecos, e fazer a cena voltar
Ao tempo em que o mudo cinema falava que ia falar.
Falaram aos quatro ventos que o mundo iria acabar!
Acabou-se hen, Borito**? Era o medo de avançar.

10.
Avançamos tanto que a cena ficou incompreensível.
Mas voltarei ao instante em que tudo era possível:
Lampião a passear descontraído, intangível,
Sem rifle, sem lenço e chapéu, sem nada de compatível.

11.
Por isso desconfiei... se estava mesmo acertando
A identidade do cara, sem cara de banda e de bando.
Mas apostei no disfarce, continuo procurando.
Se acho a máscara, não tiro o rosto; nem confessando.

12.
Tânia, Hermano, podem crer: o erro é um modo de ver.
Estou plugada e escuto rádio, virei nativa, fui de TV.
Abro a porta, abro os braços: Est-ce-que és tu ou você?
Lisboa paraibana, fiminino arômado prazer...

13.
A noite que tudo esconde é propícia aos canibais.
Ao dormir, sonho com anjos, não me vejo entre os mortais.
Beijo com avidez os lábios da minha paz.
Quando acordo, eu não acordo, eu atiço os animais.

14.
Eu dou asa à cobra, não sou deus.
Porém jamais! usaria as de cetim.
Viveria das sobras do apogeu
De quando eu era anjo-da-guarda para mim.

15.
Les chosesdas ding, cabra safado.
Olhos de gata, gatas no telhado.
Cachorro solto meu dono está do lado.
Baby pássara fugiu com seu veado.

16.
Pelos muros do silêncio, uma boca se esfregava.
Mas um deus intrometido, por descuido suspirava
E o perfume do seu hálito fez dormir quem se agitava
E o perfume do seu hálito fez falar quem se calava. 

17.
Daí... disse o que bem quis e os que jamais foram falados.
Jamais nunca se diz nunca e jamais separados. 
“Or now or never”, he sing.  Je chante: maintenant ou jamais”,
tá ligado?
Quem não tiver medo da morte se
                                                       atire
                                                              dos



7

 P
e
c
a
d
o
s


18
Assim, pois, falou o truta***, mano a mano, desarmado.
Direto Plateia Via personagem-ressuscitado.
No lusco-fusco da dúvida, depressa foi para o lado
Que dava pras vistas do lago, o daquele espelho falado.

P.S. Falaram que viram Narciso, Si olhando-se pelado.

19.
Esse mundo é nadador e essa vida nada assim.
Dizem mato com os olhos e as paredes ouvem sim.
Não pretendo confundir o começo com o fim.
O fim começa onde acaba e recomeça tudim.

20.
Eu não consigo domar nenhuma concentração.
Jurei escutar conversa dos vultos vulgos do sertão:
Um d’eles desviveu como? E o outro? Não digo não.
Mas agora estão aqui diante da minha ilusão.

21.
Eu m’iludo trezumana, de coração na malícia.
Dou sol à pele que atrai os brincantes da carícia.
Ganhei meus dotes de bruxa nos caminhos da Galícia,
ahora ya no sé transformar fúrio em notícia.

22.
Já passa das dezenove, só vejo as galáxias do céu.
O sol nem disse até logo, saiu à francesa, nem Kréu.
Foi visitar o oriente, é dele esse t’all mundaréu.
Enquanto eu     pedia na terra      ele ganhou foi o céu.

23.
Mas o céu é de Acauã. Pisquei os olhos? Foi embora.
Bateu asas e voam saias daquelas moças de outrora.
Avoa cantando o seu nome e a fauna toda decora.
Acauã, diz que voltarás! Nunca mais é sua demora...

24.
Lampião esclarecia o que vim fazer aqui.
Vivaldo percebia e, pelos olhos de Zumbi,
Eles eram poliglotas! Simultânea, traduzi
Grego, Araimaco, Latim, Tupi, Yourubá, Guarani.

P.S. Pra Purtuguês de Portugal e Brasilêro Nordesty.

25.
A conversa se arrastava e depois criava tensão.
Nenhum dos dois pretendia esconder a condição
Que fazia deles dois precisarem de oração.
Nas frases jogavam dois tudo pelo sim e pelo não.

26.
Depois de muuuiiiiiiiita conversa, colhi o fruto maduro.
A partir desse momento, nenhum galho é seguro.
Se da morte a vida escapa, ness’ idade eu me aventuro.
“Al di lá delle stelle…”, ouvi cantar o pré-futuro.

P.S. Vivaldo e Lampião brincavam com um anuro.

27.
Um convidava o outro, eles queriam partir
Desde então nem sei p’ra donde, não fui capaz de ouvir.
Vou segui-los passo a passo, só não posso aplaudir
Em cena aberta o perigo é o ator se distrair...

28.
... E perder a inocência que permite ele brincar
de ser um e depois outro e quantos puder carregar
Pelas sombras de las noches!.. ou sob um sol de xaxar.
O desastre é confundir onde fica o tal lugar.

29.
Yo me voy sin saber? Para onde irei? hei! vocês dois!!!!
Esperem por mim, por Tupã! alcançá-los... hei... depois
Daquela curva onde a estrada se contorceu, mas não foi,
Não foi de dor, foi de risada, ria a estrada, pois, pois…

P.S. Cada vez que acompanhava as brincadeiras do boi.

30.
Fazendo xixi acocorada, avistei o cruzeiro do sul.
Eles foram por ali > D’eles, nem vejo o azul.
Esperei tanto eles dois... vou rezar pra Capitu,
Que adulterou sem saber, se soubesse dava o cu.

31.
Dar qualquer coisa é difícil? Peça ao rico para dar.
Tem camelo e orifício, agulha deixa passar?
Pegue um punhado de pedras sem nem sair do lugar.
Nem que o tesouro for o teu, pirata vai te pegar.

32.
Amarcord... pipoca ou cigarro? Eis a questão DaDa.
Quem tem bunda... se vire com a lua. - Vai pisá?
Perguntou São Jorge. - Ou vai montá?
Perguntou seu cavalo querendo cavalgá.

33.
Só tu vendo como eu ri dos escrachos d’ Irakitã!
Sério. Imaginava boleros dançados por um titã.
Quero ver é de perto um disco voador de manhã.
Na hora do sol poente prefiro a percussão de Lan Lanh.

34.
Sedento do dito tem rio que só dá pa precipício.
O passarinho passou levando a semente do indício.
A pregação é diferente do sermão e do comício.
Aos ouvidos tudo igual na largura e no suplício.

P.S.  Une fois qui est donnée «c’est si bon » ao vício...
Dividir o bagulho é tipo tudo-bem-pra-começo-de-ofício.

35.
Essssssscorreguei pur’alísss com lábios-de-entra-e-sai.
Ouvi batidas nas portas que abri pr’os carai****!
“Estrada não tem porta”, riscou com a adaga, um samurai.
Lampião! Cadê o cego? Vivaldo! Arrivolta!  CARAI!!!!!!




Terceira Estação



Sobe e desce e sobe e desce e sobe e desce e sobe e desce e sobe e desce e sob


porém...


Só mente
Eu
diz o não nome!


Isso é tudo

ou

tudo isso passa





Teoria da noite




1.
Era mesmo qu’estar a ver o cinema chapliniando,
Musicado por Wisnik e o futebol argumentando.
A pintura surrealista acertava mesmo errando.
Tarsila, star na vista! e as cores orientando.

2.
Sorrindo subi o morro a procurar puro sambista.
Chorando vi quando Nasce o samba do Morre na pista.
Na subida vend’os olhos e na descida pago a vista,
Só me interessa cantar com voz de timbre hedonista.

3.
Sei bordar, pregar botão e conversar mundo afora.
A pedidos eu abri as janelas pra Aurora.
Senhora me dê seu macho, só quero por uma hora.
Devolvo homem e desarmado e com as costelas de fora.

4.
Bora contar cada uma e mostrar quantas terão.
Na nossa conta não falta costela no tronco de Adão.
Se apanhei pra nunca mais! dizer qualquer palavrão,
Quando disse: Paralelepípedo, esperei um caminhão...

5.
... Em vez disso eu ganhei a fantasia e o destaque.
Brinquei na rua e cantei, toquei surdo e atabaque.
Pulei pro bloco seguinte, levando meu badulaque.
Beijei palhaço, colombina e tudo que fosse de araque.

6.
Misturei joia e miçanga e escorreguei na fusão.
Só não caí para trás porque já estava no chão.
Porque já estava no chão, rolei na relva e então
Rodava Eros comigo… a gargalhar meu coração.

7.
Lá do chão eu avistava belo-céu-azul-de-anil.
Fiquei assim o mês inteiro, desde o primeiro de abril.
Tive tanta paciência, que até Jó armou fuzil.
Perguntaru se'eu era baiana. Respondi: mais de dez mil.

8.
Porém depois foi me dannndo… um troço de tédio
tão tão danado,
Que deu amargo na boca do ouvido sintonizado.
Disse assim, assim de mim tipo meu eu cansado:
- Não estás vendo esse anil? há muito já está desbotado.”

9.
Nem dez botas de mil gatos, nem 1000 pulos de delfins;
Nem correndo do tarado, nem procissão de Merlins;
Nem avião ou navio, nem asas de Querubins
Vão me fazer alcançar aqueles dois nos confins.

10.
Cada um risca o seu norte, teme o seu-fraco-seu-forte,
E come na mão do consorte quando tem fome de morte.
Bebo eu na minha cuia, tenho amor e tenho sorte.
Dinheiro aparece assim, oh, é só puxar pelo po(r)te.

11.
Se aqueles dois estiverem passeando por aír
Conversando distraídos como estou sonhando aquir
Logo logo eu pego eles dois bebendo e fazendo el xixir
Posso até balançar a vista só pra ver pingo cair
r
r
r
r
r

12.
Aqueles erres finais nos versos lá de cima
São firulas da garganta limando a matéria prima.
Gargareje aqueles erres ao estilo pantomima
E piche o nu nas vidraças sprayando a cor da rima.

13.
Nem o sábio rima à toa com rimas que dizem não.
É preciso muita bossa pra rimar barquinho e chão.
Cada vez que acendo vela aparece Lampião.
Maria Bonita me disse: - Lampião tem coração. 

14.
Lampião acendeu praça pro cego Vivaldo ler mão.
O eco visível no cego espalha o dom da razão.
O cego Vivaldo conecta os sinais da vibração:
E fica logo sabendo se naquela mão tem cifrão.

15.
Nisso passou a vizinha num rebolado rodriguiano.
Seis vezes pagando na valsa o reveillon daquele ano.
Estava tão bonitinha... a ordinária em seu plano
Que esbarrou com os dois olhos nesse cego froidiano.

P.S. Só deu N’UMA, num d’Eu n’OUTRA!

16.
Foi nela mesma, em Dorotéia, que a nudez foi consagrada.
A vida como ela é só precisa ser bancada.
Amar e ser feliz, ao mesmo tempo? arre danada!
Princesa que já foi plebeia sabe de um tudo e do nada.

17.
Sabe tudo... esse Anjo Negro: um tanto assim de segredo.
Joga no só e dá brinquedo: sabe onde está o sossego.
Vive de sonho e aconchego. De tudo!!! cria um enredo.
Não sua, nem treme: de medo.

P.S. Caiu do céu muito cedo!

18.
Essa mulher sem pecados tem namorada e namorado.
Sua mãe é falecida, dela só guarda um retrato.
No seu álbum de família mamy sorri com recato:
A mão da mãe no decote de um pulsar inconformato.

19.
O pai da moça comprara um Vestido de Noiva pra'i ela.
A moça de véu e grinalda atravessou a passarela,
No Aterro do Flamengo, só para ver a primavera.
Mas, no meio do trajeto, espiou pela janela...

P.S. ...E viu o beijo no asfalto: era mudança de era.

20.
Onde eu deixei o cego? Onde estás oh Lampião?
O mar é perto daqui? Ou mais longe que o Japão?
Deixei Vivaldo sumir pensando naquela paixão.
Perdi Virgulino de vista vendo as aves d' arribação.

21.
Olha só! quem vejo ali: en-cos-ta-dos-na-pa-re-de???
Parece que são os dois tentando matar a sede.
Vou me hospedar naquele hotel e cair naquela reeeeeede:
Aquele terraço vê tudo, até onde um cara foi meide.

22.
Não posso me distrair mais uma vez, vejam só:
Se eu perco de vista eles dois, mais uma vez, tenham dó!
Dó ré mi  uni duni tê   Aposto que vão pro forró.
No pé da serra tem coquista, tem zabumba e tem xodó.

PS
E tem mais:

23.
Vivaldo cega mais nítido quando afina sua rabeca.
Um Lampião distraído deixou cair a boneca:
"O rabequeiro foi p'a escola?". Vê que pergunta indiscreta. 
Deu calado como resposta. Tinha uma senha secreta:

P.S. O cego arregalou a pergunta pra rabeca.

24.
A rabeca respondeu com o toque do arco nas cordas.
O cego aceso de arte, subiu ao palco nas costas
Dos fãs e tietes aos gritos e pegou a dar mil voltas
Nas escalas musicais. A voz e a rabeca soltas...

25
De tudo quanto era modo o cego falava de amor:
O amor do cego era cego como é cego todo amor;
Cada amor se reconhece e se admira no amor...
... Estar de amor é só deixar o tempo amar o amor.

27.
O cego cantando dizia, o cego parece que via.
Quanto mais ele rimava mais plateia aparecia
De todo lado que tinha vinha gente e a gente ria.
O cego enxergava tudo o que a plateia carecia.

28.
Lampião, perfumado, não saía do seu lado,
Cochichava ao cantador o sentimento encantado
Que animava a multidão ao ouvir seu rabecado.
Vivaldo quis saber quantos eram no gramado.

29.
É muito difícil contar um a um na multidão.
Mas ideia é que não falta e pra mostrar tem Lampião.
Maria Bonita me disse: - Virgolino tem razão.
Pra quê vigiar número em desarmada multidão?

30.
Pensei, com as ideias da arte, em cair de mão em mão...
... Até caí na conversa da cobra que enganou Adão.
Eu disse a Maria Bonita: Bonito fez Lampião.
Derrubou a espingarda quando te viu no portão.

31.
Quem vai acreditar agora se eu disser que Lampião
Acendia o feminino masculino do sertão?
Os lenços de seda… e os anéis de prata… espia o ouro do cordão!
O danado customizou o chapéu d’ Napoleão.

32.
Assim foi naquela noite. Era um novo desafio:
Um Lampião desarmado acendia seu pavio
Enquanto Vivaldo cantava sob o seu próprio assobio
E nas cordas da rabeca, olha o arco em rodopio.

33.
O solo do cego er' um bordado. E ousaria:
Seu desafio enfrentava a forma da arte em cantoria.
O poeta era o crítico da sua própria autoria.
De repente...
... Pra ser feliz sem sofrer: qualquer um se mataria.

P.S.
E eu, no meio da multidão, fazendo etnografia.



EPÍLOGO



O jogo das luzes

ou

 a peleja das lâmpadas com as estrelas.



Aconteceu naquela noite




01.
De repente, fui convidada a subir no palco do cego.
Vivaldo, o cantador? Enxerga até formiga no prego.
Como então adivinhou minha presença? Eu não nego:
Assim, portanto, de modo que: foi demais para o meu ergo


02.
Um furi-furi na multidão... vou fugir par’uma ocara.
Vou pegar o trem das onze na estação Jabaquara.
Neste instante mim viu eu pintada que nem uma arara.
Entrei na cena e cantei: tenho seiva Nhambiquara.

03.
Comecei a dizer versos para me apresentar.
Cantando disse meu nome e o que gosto de cantar;
Quem sou, de onde vim e quem desejo encantar.
Agradeci o convite e botei o cego no altar.

04.
Assim, no primeiro pé de verso, já driblei competição,
Como está enraizada na peleja até então.
Meu desafio, num é eu ou tu no chão.
É não matar e nem morrer somente pra ter razão.

P.S. Uma onda de sussurros crescia da multidão...

05.
Ora! ninguém acreditava que pudesse acontecer
Uma peleja engraçada sem as armas do poder.
Ora, ora, vamos ver a graça que isso vai ter:
Nenhum dos dois vai ganhar, nenhum dos dois vai perder.

P.S. Arte não é esporte. Tem outro jeito de ser.
      
06.
Semente de arte não vinga em solo competitivo.
Não dá folha, não dá fruto, nem sombra pra lenitivo.
Quem é da arte sente a dor do soco lá no umbigo
Quando o EGO se engrandece com a desgraça do “inimigo”.

P.S. Saber rimar não coincide ‘comigo versus contigo’.

07.
À multidão sugeri, com calma, sem alarido:
Levante a mão quem não quer ser no amor correspondido.
Todo mundo olhou pro céu e, pra si mesmo, escondido.
Depois, virou-se pro lado... e se entregou iludido.

P.S. A esperança nunca deixa seu seguidor sem sentido.

08.
Um mar de gente... e as ondas sussurrantes saíam do coração:
Da mina-que-dizia-Slam no trem e na estação;
Do motoboy que brincava de capacete na mão;
Do soldado emocionado perdendo de vista o ladrão.

BO. Vi até desassassino desamolando facão.

09.
As ondas quebravam no palco e escorriam sem Tabu:
Na viúva que vestia sus recuerdos do baú;
Nas feministas sonhadoras apaixonadas por Pagu;
Na prostituta elegante montada na Grife DASPU.

10.
A cantoria saudava a negra no ministério
Pra derrotar o racismo e acabar com esse mistério
De um país tão cordial só ter branco no ministério.
Somente o preto no branco para escrever BRASIL(s)ÉRIO!

PS. Zumbi Abdias Pixinguinha têm medida e têm critério.

BO. O rap mostra onde está quem é quem no cemitério.
  
10.
Já tem muita ideia contrária em desafio constante.
Não carece de disputa onde se lê Safo e Dante.
A teoria de Darwin não pega em bicho falante,
Nem mulher é retirante de uma custela homilhante.

11.
Vi Mandela com Gandi, bem ali! Oh! na Praça da Concórdia.
Vi Francisco com Jesus tramando misericórdia,
Vi Lennon benzendo hipongos com sete raminhos de córdia,
Vi Tereza de Calcutá ensinando evitar discórdia.

12.
O cego Vivaldo sorria e cutucava Lampião.
Lampião compreendia e falava: “É nós”. Então
Eu vi assim de bem pertinho Jovelina e Jamelão,
Duck, Sarah, Elza e Ella a fazer improvisação.

13.
Madona – mia!!! – uma gata... que geme feito ema:
No Juremá, na França de Flaubert ou debaixo da Jurema.
Lady Gaga, no barco de Leide Lara, nas águas de Saquarema,
Infernizou tanto os paparazzi que eles voltaram pra Ipanema.

14.
Era mais de meia-noite e ninguém arredava Dali.
Nem um casal com sete filhos oriundos do Piauí.
Uma velha enfeitada: brincos, anéis, colares de rubi;
Uma turma de ninfetas descendentes dos Guarani.

15.
Enfermeiros, arquitetos, médicas e dentistas;
Jogadores de futebol, psicanalistas e tenistas;
Cozinheiros e copeiras, feirantes e eletricistas;
Políticos e garis, advogadas e floristas.

16.
Quem seria aquele moço na cadeira de rodas cantando?
Tanta gente de muleta, de bengala e se alegrando.
Crianças correndo a brincar e adolescentes ficando.
Só não vi naquela noite um só vivente chorando.

17.
Impossível descrever os excêntricos ali:
Tinha alguém fantasiado de pirata Bacardi;
Um Homem Aranha subindo no tronco da Mucuri;
Chacrinha compareceu com apito e abacaxi.

18.
O evento parecia um baile de carnaval:
Papangus eletrizados, um rei momo glacial;
Harry Potter, Peter Pan e uma bruxa genial;
Lady Godiva no Pégaso e Frinéia no original.

19.
Os ambulantes venderam, tranquilos, sem gritarias,
todo o estoque que tinham de suas mercadorias:
Bebidas pra refrescar, ou provocar euforias;
Leite, chá, café ou mate pra acompanhar as iguarias.     

20.
- Pipoca, cachorro quente, rabanada e alfenim.
- Picolé, algodão doce, maçã do amor e quindim.
- Sorvete, ponche, refresco, suco de fruta, dindim.
Tinha uísque, licor e fódica, tudo tim tim por tim tim.

21.
Foi esse o rolé que eu dei de olho no coração...
... E o coração na boca... só namorando canção.
Não escapamos do bis: a vida é repetição.
Mas... cada bizzzzz é diferente, repara na emoção!

22.
Os aplausos foram loucos, calorosos e até
Só não aplaudiram de pé, porque já estavam de pé.
Falei pé? Quedei numas meninas a brincar de Finca-pé,
Obstinadas num jogo de expressões com o nome ‘pé’.

23.
Ganhava o jogo quem saltasse com o pé direito na tábua
E, num pé só, chutasse o vento e emparelhasse com o pé d’ água.
Nenhuma maneca daquelas julgou que a tarefa era árdua,
Mesmo sabendo que ainda teriam de cantar sua mágua.

24.
Pois então, ainda não disse, a tarefa consistia
Em pescar, na pose do Saci, com presteza e valentia
Palavras e expressões que tinham ‘pé’ na grafia.  
Fiquei pasma admirando aquela estranha pescaria.
  
25.
A primeira jogou o anzol sem o sinal da largada.
Mas não houve anulação, este item não constava
Na regra do jogo inventado. Atenção na sua jogada:
"Se dá pé, ninguém se afoga”, pescou um dito, a danada.

26.
Quando vimos, a segunda já havia disparado:
- Pé de cabra, pé de vento, pé de mesa, pé de mato;
Pé na porta, pé na bunda, pé na tábua, pé de pato.
Me dá o pé meu louro que eu te dou o meu sapato.

27.
- Não vou perder o pé (Disse a baixinha).
A nerd tomou os pés pelas mãos e, tadinha,
Jurou de pés juntos que não tira o pé da linha.
A vaidosa confessou não ter olhos pra pés-de-galinha.

28.
Olhando de onde eu olhava meu ponto de vista era belo:
Um jardim de pés de moças com talos de pernas al cielo,
Ímpares, os membros sustentavam a ilusão de um castelo
De cartas, de areia, de vento, de sonhos, de luas de mielo.

29.
Pé-de-chinelo, pé de guerra,  pé quebrado.
Enfiar o pé na jaca, em pé de igualdade, pé trocado.
Botar o pé no mundo c’os pés nas costas, pés d' pecado.
Tem pé quente? Fica no pé de quem por tuas mãos foi coroado.

30.
Pé ante pé, enfiei o pé, apertei o passo.
A multidão vai dispersa e eu seguirei seu compasso.
Sairei à francesa como manda o figuraço.
Para rimar eu fuço tudo quando o sinônimo é escasso.

31.
Nisso que eu ia passando, eu ouvi esse cochicho:
- Sofre que só pé de cego, quem acredita em fuxico.
- Ela já estava com os dois pés na cova por capricho!.
Conversa de duas beatas com os pés fincados no lixo.

32.
Uns cariocas passaram dizendo que tinham prova.
Por isso a boca no trombone quando souberam da nova:
Disseram que viram João Gilberto, dando na ópera uma sova,
Tocando e cantando sem fossa. Tão falando em bossa nova.

P.S. Línguas ferinas sopravam línguas de fogo e de cobra. 

34.
Cadê aqueles dois? Nem fui vê-los no camarim.
Era tanta gente vip de pulseirinha e trancelim.
Cansada, fui rangar no hangar do Zepelim
Voltarei voando pra casa cantando feito um vim-vim.

35.
Em vez disso fui m’imbora béradêra pela estrada.
Vou escrever tudo isso assim que chegar em casa.
Mas agora ainda tenho que andar mui disfarçada
Na minha própria esperança, através da madrugada.




APÍLAGO



Isso é


Lagos de mel

ou

mel nos lábios do fim

and

a coda não é o end





Ecos na madrugada




I
Irei contar o que eu vi vestida com a saia de pálpebras:
O mundo se abrindo e fechando, nem precisava de mágica;
O povo do mundo chegando, com coisas da terra e da fábrica.
Para tudo decifrar, foi preciso estudar álgebra.

II
Lampião levou o Cego Vivaldo p’ra ver o mar.
Eu não vejo muito bem, mas enxergo o que não há.
Eu vi com aqueles olhos que a terra nos dá de olhar.
Vi o que ninguém viu e nunca jamais advirá.

III
Eu vi os dois bem ali nas belas dunas de areias.
Lampião, para o cego rir, se montava nas baleias.
Vivaldo chamou Flaviola e tocaram às pareias.
Caymmi chamou Jussara e foi música nas veias.

P.S. Para combinar com a saia de pálpebras...
... vesti a blusa das sereias.

IV
Eu vi: Um mar de gente em silêncio...
E na rabeca, Vivaldo a navegar...
Eu vi: Lampião deu ao Cego a luz das velas do mar.
Eu vi: O Cego mostrar a paz que Lampião deu de sonhar.

V
O mar batia nas pedras e em mim batiam as horas.
Lampião fugiu pra casar e Vivaldo foi embora
P’ras bandas de só-sei-quando onde quem canta não chora.
Ora, ora, bora, bora. Olha a Hora!!!!

VI
Eu jamais esquecerei aquele dia ensolarado.
O verão queimando as horas: nem futuro nem passado.
O presente era o mar, onde o tempo mergulhado
Brincava de se mostrar, entre as ondas, disfarçado.

VII
Para quem quisesse olhar, o tempo lhe mostraria
o fim dos tempos e o começo, no presente que morria,
a cada segundo que passa: da meia noite ao meio dia. 
Para quem ignorava, o tempo nem se mexia.

VIII
Posso não ver muito bem, mas enxergo o que eu quero:
Os sonhos do meu amor, a alma de um bolero,
A bossa na minha dor. Sem o rock desespero.
Só não vejo como alcançar o tempo que nunca espero.



Notas

* Borito: Bonito 
** Rirri: Fecho-éclair ou zíper
*** Truta: Gíria do rap
****Carai: Gíria do rap