terça-feira, 22 de outubro de 2024




Numa Ciro: o nome de uma arte 

 Por Henrique Cairus 

     A mim não me pareceu nada estranho que só agora surgisse o disco de Numa Ciro. Este objeto, o disco, agora disseminado -- mas não rarefato -- em bits virtuais, foi criado para reproduzir artes com nomes que lhe são próprios, a música, a canção, a oratória e tudo que diz respeito ao som. 
    O disco privilegia um sentido, e é claro que já está claro que a Numa não cabe num sentido, não cabe num significado, tampouco num significante, não cabe numa direção, não cabe em Aristóteles e se ri de Platão. Numa é o transbordo do sem cabimento; do que inunda. 
    A própria sinestesia lhe é pouco, porque não dá conta de sua potência criadora. Uma potência que ela reivindica também como mulher, o gênero que cria o gênero, esse gênero de expressão que não tem outro nome senão o de Numa Ciro. Uma mulher que carrega dois homens, dois imperadores, no seu próprio nome: o Ocidente de Numa, o Oriente de Ciro. 
    Sua arte é a tradução do encontro absolutamente singular entre o conhecimento e o sentimento, e esse encontro traz a indelével marca de sua lida semisecular com a psicanálise, com a literatura e com a filosofia. A Relva da Campina tomou a ousada resolução de não sair da frente para dar passagem ao Filósofo, e, assim, faz o contraponto ao Trupizupi, em homenagem, reconhecimento e identificação pelo avesso. Um avesso que se vira do avesso na última faixa do disco, a única que não é de sua autoria, mas que traz uma assinatura em que a interpretação já se funde e se confunde com a própria autoria. 
    Bráulio, Numa e todos nós somos para sempre hipopótamos tartamudos. A arte, esse substantivo feminino muito singular e por vezes abstrato, uniu Numa a Lan Lanh que, juntas, mapeiam com a precisão da qual a filosofia é incapaz a relação entre o ventre e a arte: a criação é uma só, antecede o nada, a origem da origem. O que cria a criação não é criatura, o que cria a criação é arte. 
    A criação nasce grávida da criatura, do ventre feminino semeado pela pulsão invocante que antecede o próprio Outro, mas que se realiza nele.      O gêmio gênio de Tânia Christal aparece como um desses ventres disponíveis à criação, e é ali que o sujeito se encontra mais fortemente com o objeto, é ali, na voz de Tânia, presente na vigésima quinta hora de toda as letras (e não só nas que assina), que a biografia de Numa se encontra com suas outras grafias e agrafias. É só prestar atenção no detalhe.      A poesia tem um compromisso inextinguível com a música. Eram um uno, e, na verdade, nunca deixaram de ser. Numa sabe disso. Sempre soube. Sabe-o também Flaviola. E não há pouco tempo uniram-se Numa Ciro e Flaviola para também devolverem definitivamente a união ao que nunca se desuniu: métrica é compasso, pé é dança, nota é sílaba. Safo sabia.

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