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Numa Ciro: o nome de uma arte
Por Henrique Cairus
A mim não me pareceu nada estranho que só agora surgisse o disco de Numa Ciro. Este objeto, o disco, agora disseminado -- mas não rarefato -- em bits virtuais, foi criado para reproduzir artes com nomes que lhe são próprios, a música, a canção, a oratória e tudo que diz respeito ao som. O disco privilegia um sentido, e é claro que já está claro que a Numa não cabe num sentido, não cabe num significado, tampouco num significante, não cabe numa direção, não cabe em Aristóteles e se ri de Platão. Numa é o transbordo do sem cabimento; do que inunda. A própria sinestesia lhe é pouco, porque não dá conta de sua potência criadora. Uma potência que ela reivindica também como mulher, o gênero que cria o gênero, esse gênero de expressão que não tem outro nome senão o de Numa Ciro. Uma mulher que carrega dois homens, dois imperadores, no seu próprio nome: o Ocidente de Numa, o Oriente de Ciro.
Sua arte é a tradução do encontro absolutamente singular entre o conhecimento e o sentimento, e esse encontro traz a indelével marca de sua lida semisecular com a psicanálise, com a literatura e com a filosofia.
A Relva da Campina tomou a ousada resolução de não sair da frente para dar passagem ao Filósofo, e, assim, faz o contraponto ao Trupizupi, em homenagem, reconhecimento e identificação pelo avesso. Um avesso que se vira do avesso na última faixa do disco, a única que não é de sua autoria, mas que traz uma assinatura em que a interpretação já se funde e se confunde com a própria autoria. Bráulio, Numa e todos nós somos para sempre hipopótamos tartamudos.
A arte, esse substantivo feminino muito singular e por vezes abstrato, uniu Numa a Lan Lanh que, juntas, mapeiam com a precisão da qual a filosofia é incapaz a relação entre o ventre e a arte: a criação é uma só, antecede o nada, a origem da origem. O que cria a criação não é criatura, o que cria a criação é arte. A criação nasce grávida da criatura, do ventre feminino semeado pela pulsão invocante que antecede o próprio Outro, mas que se realiza nele.
O gêmio gênio de Tânia Christal aparece como um desses ventres disponíveis à criação, e é ali que o sujeito se encontra mais fortemente com o objeto, é ali, na voz de Tania, presente na vigésima quinta hora de toda as letras (e não só nas que assina), que a biografia de Numa se encontra com suas outras grafias e agrafias. É só prestar atenção no detalhe.
A poesia tem um compromisso inextinguível com a música. Eram um uno, e, na verdade, nunca deixaram de ser. Numa sabe disso. Sempre soube. Sabe-o também Flaviola. E não há pouco tempo uniram-se Numa Ciro e Flaviola para também devolverem definitivamente a união ao que nunca se desuniu: métrica é compasso, pé é dança, nota é sílaba. Safo sabia.
Safo de Lesbos, segundo Platão, a Décima Musa. De Safo, sabe-se que se apresentava cantando, com uma performance solitária em meio a um público atônito. Sabe-se também que foi muito célebre pelas suas apresentações, pela sua música, pelo seu canto, e provavelmente por outros encantos. E de todo esse fenômeno que foi Safo, o que temos são apenas as letras de suas canções, e de pouquíssimas delas. É uma sobra e uma sombra do que foi Safo, mas a grandeza de sua arte era tanta que o pouco que temos compulsa nossa imaginação a completar esse quadro que frequenta a mente de quantos a leem. A poesia sobrevivente de Safo não a reduz, mas a recria eternamente.
NUMA CIRO
Braulio Tavares
A voz de Numa Ciro é como um aparelho de rádio artesanal, captando rádios piratas pelo mundo afora, sintonizando frequências que estão vibrando ali o dia inteiro, a vida inteira, para quem souber encontrá-las. São frequências de onda que trazem cadências poéticas, flashes visuais, trocadilhos inconscientes, harmonias semi-tronchas, melodias saltitantes, recados urgentes do futuro que ficam ricocheteando de mente em mente até chegar em algum lugar do passado, que é onde nós estamos.
É uma voz-memória, passeando pelas ondas do espaçotempo como um rio que passa pelo fundo de todas as casas do mundo, um rio correndo devagar, passando, recolhendo, recebendo, trazendo coisas que bóiam, que afundam, que ressurgem na voz de quem fala deitado de olhos fechados, na voz de quem canta a sós num palco escuro sob o facho de luz do holofote, no oco de um teatro repleto onde todo mundo escuta e prende a respiração, porque a voz canta “a capella”, y no hay banda.
Uma voz como um disco voador, um disco de um lado só, um disco digital que não é feito de matéria mas apenas de luz que se lê, se lê como um livro, um disco-livro cheio de letreiros luminosos, de néons piscando, de psicodelias, de prismas dividindo a luz em letras.
Nas canções que Numa Ciro escreve ou recria existem, amarradas, num nó feito de todos nós, duas pontas, duas extremidades: a Via Láctea e o fundo do quintal, o inalcançavelmente grande e o lugar de nós todos. O grande atrator das galáxias e o terraço lá de casa onde os amigos se reúnem em termos de cerveja, tiragosto, violão de mão em mão e repertórios compartilhados. Porque há que ouvir dez mil músicas antes de se fazer uma, há que escutar mil e uma noites antes de se escrever a primeira história.
Numa Ciro tem a voz de quem trabalha ouvindo, trabalha colhendo das histórias alheias não o desenho dos fatos, mas o movimento profundo que carrega nossas mentes como a correnteza carrega as águas.
Esse é o diapasão da viagem, é o tom dessa peregrinação de tantos anos de Numa Ciro em busca da nota precisa, da respiração invisível, da pancada perfeita, da palavra surpresa, da língua solta, da carne livre, do corpo elétrico que o mundo de hoje canta, os corpos pequenos que vão para onde vai o mundo grande, mas seja para onde forem, vão cantando.
um rio enorme atrás da minha
Adulto
tudo? :)
recebo o seu e-mail em festa! que felicidade imensa saber que a nossa canção irá abrir o seu disco - sinto-me tomado por um sentimento nobre de gratidão e orgulho! ainda além, saber que você escolheu iniciar o disco cantando à capella, faz-me ainda mais mais feliz!
fiz aqui os cálculos: nos conhecemos em 2009 (lá se vão 11 anos...!), quando você estava em cartaz no Rio de Janeiro com o seu espetáculo “Numa Noite Quatro Luas”. É preciso que eu diga antes de tudo: muito do que sei sobre música popular brasileira e sobre como fazer um espetáculo com canções brasileiras, uma tradição dramatúrgica e uma modalidade de performance muito nossa, desta nossa terra, aprendi com você. vendo você retorcer o sentido de tudo e reinventando mundos com o seu “monólogo cantante”. “Desproporção” abrindo o disco, à capella, apesar de parecer funcionar como uma introdução é também, por sua vez, um epílogo; e ainda, bem antes, a confirmação de uma trajetória de elaborada pesquisa artística.
quando penso na nossa canção, claro!, vejo ecoar Caieiro: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia...”. as águas onde despejamos nossas lágrimas, sonhos, perguntas, desejos...
lembro-me das nossas longas conversas, quando eu ainda vivia no Rio de Janeiro. você me contando sobre a sua Campina Grande, sua infância repleta de fantasia, a menina Maria do Socorro encantada pelo som das coisas, nas vastas tardes de solidão. eu, que também nasci no interior do país, sei que viver a infância nestas cidades aprofunda o que carregamos dentro. o que sentimos e o que imaginamos.
quando penso em você, Numa Ciro, este seu heterônimo, penso que ele nos convida sempre à transfiguração do conceito de idade. Numa é a avó e a neta, a mãe e a filha, e ainda além, o que virá, o que não nasceu - eis aí o que conecta as ideias de ancestralidade e o que a física quântica deseja saber sobre o tempo. a desproporção é saber-se sem cabimento: você, o seu olhar, seu sentimento do mundo (façamos também ecoar Drummond!), não cabe num só corpo, numa só existência. o que lhe é desproporcional não é o rio, a saudade, a casa, a infância, a menina. mas sim, a vida. a vida transbordou o coração imenso que você carrega no peito e transformou-se em som. o som da voz que canta.
César Lacerda
Eu conheço a origem da origem,
A Arte é Mulher.
Lanlan |
E quem me vê assim
Diadorim
Ligado em Rock and Roll
e o check in…
1984 na exposição de Hildebrando de Castro Petite Galerie Ipanema - Rio de Janeiro |
Eu entendi
Vem meu amor!
O que eu não disse nem a mim
Gravada no Estúdio PlayGround.
Sanfona Tibor Fittel
Percussão Lan Lanh
Voz Numa Ciro
Impressionista o céu
Olhar comum
Com Hermeto eu fui à feira de campina
Vi Donato no baile com Ivone
Tânia Christal foi quem me deu o nome
Tibor Fittel César Lacerda quem
me ensina?
Se Bráulio é o raio da silibrina
Flaviola é ex-tudo estravagante
Zé Miguel Wisnik o elegante
Socorro Lira é paraibana como eu
Sou dadaísta e Claude burg esclareceu
Sou Lan Lanh sou Gonzaga
sou Cantante
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