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Vestida por Hildebrando de Castro: Acrílica sobre pele
Foto de Cláudia Ferreira Museu Nacional de Belas Artes Rio de Janeiro |
Introito
Pra cantar
desafio estou contigo
Oh poeta que
sigo e admiro
Estatura não
tenho, mais prefiro
Ser o anjo que
afasta o inimigo
A morada do amor
é meu abrigo
O desejo da rima
é combinar
O sentido do
mote está no ar
Quem pegar na
palavra diz o seu
Quem pensar que
eu não canto escute o meu
É com ele que
vou me apresentar
Refrão
Meu nome é Numa Ciro
Sou a relva da Campina
Meu nome é Numa Ciro
A providência divina
Meu nome é Numa Ciro
Sou a relva da Campina
Meu nome é Numa Ciro
A providência divina
1
Sou o voo do
desejo no horizonte
O riso da
criança desejada
Lisboa, em
Pessoa, visitada
A verdade beijou
a minha fronte
Sou La Dolce
Vita de uma fonte
A taça nas mãos
do vencedor
O peito que
acolhe o perdedor
A brisa da sorte
na desdita
Sou a crença
daquele que acredita
No projeto de
paz de um sonhador...
2
Sou
A voz que
atravessa a escuridão
A voz da minha
mãe sempre a cantar
As vozes das
cantigas de ninar
A conversa que
esquenta o coração
Sou boneca de
pano de algodão
Imitou-me a
rainha de Sabá
Do sermão eu
soletro o bê-á-bá
Pelos meus belos
olhos um império
Conquistou os
recintos do mistério
Sem meu canto
esse mundo o que será
3
Sou o susto da
paixão inesperada
O beijo na bela
adormecida
A valsa de
Strauss em nossa vida
Quando o frevo
revela a mascarada
Com a varinha de
condão sou essa fada
Sou a mão que
recebe o visitante
A casa que
acolhe o habitante
E a certeza do
pão de cada dia
Eu não posso
viver sem harmonia
Sou
Chiquinha sou Gonzaga sou Mutante
4
Madalena
confessou o meu pecado
Fui o ócio da
primeira vagabunda
Dos meus sonhos
a beleza é oriunda
A história
nasceu do meu passado
Meu destino pelo
verso foi traçado
Fui o sopro de
Deus na criação
Sou o
Bumba-meu-boi do Maranhão
No cordel sou a
rima das sextilhas
Alice no País
das Maravilhas
E as sete
cataratas do sertão
5
Sou o chinelo
velho pro cansaço
A pausa no mundo
que tem pressa
O carrinho na
escada de Odessa
E a silhueta do
velho Encouraçado
Sou a água que
chove no roçado
E o sol que
desponta na Sibéria
Utopia que acaba
com a miséria
Sou a noiva no
altar do casamento
A dor que caiu
no esquecimento
E o remédio que
mata bactéria
6
Sou o dom de ler
a mão de uma cigana
De Beethoven a
nona sinfonia
Sou a noite que
separa o dia-a-dia
E o domingo
entre os dias da semana
Sou o fogo que
alimenta a velha chama
A Natureza
duradoura do amor
A violeta do olhar
de Liz Taylor
Sou o fio que
desmancha o labirinto
Eu só falo o que
penso e o que sinto
Sou a boca
carnuda de Bardot
7
Sou na Festa de
Babette o apetite
Sou a bola na
cesta do basquete
As coxas
perfeitas da vedete
E a forma do
belo em Afrodite
Sou a Nega
Zefa a Deusa Lilith
O raio de Iansã
da Conceição
Vaidade aberta
em leque do pavão
Sou as águas de
março em abril
As cores da
Aquarela do Brasil
Sou a força dos
cabelos de Sansão
8
Só se fala
atualmente em internete
Endereço
eletrônico navegar
Comunica quem
aprende a sitiar
Uma bomba que
não mata mas impede
A conversa cara
a cara sem confete
Pois eu acho
esse caso muito sério
Manuscrito já
perdeu o seu império
Sobre isso
escrevi sem nostalgia
E pra não ter
atraso de um dia
Eu mandei-o para
Bráulio por e-méio
Meu nome é Numa Ciro
Sou a relva da Campina
Meu nome é Numa Ciro
A providência divina
Meu nome é Numa Ciro
Sou a relva da Campina
Meu nome é Numa Ciro
A providência divina
EPÍLOGO
Aprendi com
minha avó, desde menina
A fazer da
cantoria vocação
Assistindo Retalhos
do Sertão
Na rádio
Borborema de Campina
Zé Limeira
confirmou a minha sina
James Joyce com
Homero foi casado
Guimarães Flor
Lispector encantado
Eu não posso viver sem escritura
Se transforma em criador a
criatura
Quando eu canto martelo agalopado