Disco Numa
Ciro
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Capa do Disco de Hildebrando de Castro a partir do Quadro de Hildebrando de Castro |
Numa Ciro <numaciro50@gmail.com> |
| seg., 16 de mar. 17:37 (há 23 horas)
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Amado Henrique,
Διδασκαλε!
Eu quero muito que você escreva para o livreto que acompanha meu primeiro disco NUMAciro, ainda sem título, sobre o qual falamos algumas vezes. Escolhi para você, a canção A ARTE É MULHER, uma das minhas parcerias com Lan Lanh. Você não precisa adivinhar porque a escolhi e por que estou tão curiosa para ler o que dirá.
Segue o link do meu blog onde você pode reencontrar a letra.
Querida Numa,
quando você me mandou a letra da canção que você compunha com Lan Lanh, eu havia recebido uma pergunta de uma colega: o que pode vir antes do início? Ela me perguntava isso, porque havia escrito algo para a minha tese, e aquilo que lera não lhe pareceu suficiente. Foi exatamente quando eu pensava em como ser mais claro que você me enviou essa bela canção, uma obra prima cujo primeiro verso é "Eu conheço a origem da Origem".
Era isso que eu procurava e não sabia dizer! A prosa não dá muito conta disso.
Percebi, enfim, que o que eu queria dizer não cabia em prosa, e não sou poeta. Não sou, mas você é. E, em vez de tentar algo acima do meu alcance, tomei a canção como epígrafe daquele capítulo, o único capítulo da Tese com epígrafe, e não é exatamente uma exceção, tampouco é precisamente uma epígrafe: é o reconhecimento de que a arte (que é mulher), e só a arte, significa sem o que não se diz, como o oráculo de Heráclito. A linguagem da arte, da tua arte, está acima da linguagem, como a origem da Origem. A prosa e a poesia: "e quem há de negar que esta lhe é superior?".
A origem da Origem está também na origem desta nossa relação, que há muito não cabe na amizade: a arte nos apresentou. Lembro, cada vez que saía de casa, da primeira vez que te ouvi cantar da janela, com sua voz contralto tão bem colocada e com seu repertório inusitado: forma e conteúdo que fecundaram minha mente de uma curiosidade embrionária que se desenvolveu em amor, a partir de uma carona que te dei e que ensejou que eu conhecesse a dona da voz pela voz da dona também de grande parte de um repertório que encanta a quem o ouvir, ainda que seja como o "biscoito fino" de Oswald.
Tua arte "inventou a existência antes do Nada, quando o Ser era o Tempo em vertigem".
Obrigado, origem de minha Origem, arte magnífica de Numa Ciro, tua própria arte.
E todos riem com a sua brincadeira!
Numa Ciro: o nome de uma arte
Por Henrique Cairus
A mim não me pareceu nada estranho que só agora surgisse o disco de Numa Ciro. Este objeto, o disco, agora disseminado -- mas não rarefato -- em bits virtuais, foi criado para reproduzir artes com nomes que lhe são próprios, a música, a canção, a oratória e tudo que diz respeito ao som. O disco privilegia um sentido, e é claro que já está claro que a Numa não cabe num sentido, não cabe num significado, tampouco num significante, não cabe numa direção, não cabe em Aristóteles e se ri de Platão. Numa é o transbordo do sem cabimento; do que inunda. A própria sinestesia lhe é pouco, porque não dá conta de sua potência criadora. Uma potência que ela reivindica também como mulher, o gênero que cria o gênero, esse gênero de expressão que não tem outro nome senão o de Numa Ciro. Uma mulher que carrega dois homens, dois imperadores, no seu próprio nome: o Ocidente de Numa, o Oriente de Ciro.
Sua arte é a tradução do encontro absolutamente singular entre o conhecimento e o sentimento, e esse encontro traz a indelével marca de sua lida semisecular com a psicanálise, com a literatura e com a filosofia.
A Relva da Campina tomou a ousada resolução de não sair da frente para dar passagem ao Filósofo, e, assim, faz o contraponto ao Trupizupi, em homenagem, reconhecimento e identificação pelo avesso. Um avesso que se vira do avesso na última faixa do disco, a única que não é de sua autoria, mas que traz uma assinatura em que a interpretação já se funde e se confunde com a própria autoria. Bráulio, Numa e todos nós somos para sempre hipopótamos tartamudos.
A arte, esse substantivo feminino muito singular e por vezes abstrato, uniu Numa a Lan Lanh que, juntas, mapeiam com a precisão da qual a filosofia é incapaz a relação entre o ventre e a arte: a criação é uma só, antecede o nada, a origem da origem. O que cria a criação não é criatura, o que cria a criação é arte. A criação nasce grávida da criatura, do ventre feminino semeado pela pulsão invocante que antecede o próprio Outro, mas que se realiza nele.
O gêmio gênio de Tânia Christal aparece como um desses ventres disponíveis à criação, e é ali que o sujeito se encontra mais fortemente com o objeto, é ali, na voz de Tania, presente na vigésima quinta hora de toda as letras (e não só nas que assina), que a biografia de Numa se encontra com suas outras grafias e agrafias. É só prestar atenção no detalhe.
A poesia tem um compromisso inextinguível com a música. Eram um uno, e, na verdade, nunca deixaram de ser. Numa sabe disso. Sempre soube. Sabe-o também Flaviola. E não há pouco tempo uniram-se Numa Ciro e Flaviola para também devolverem definitivamente a união ao que nunca se desuniu: métrica é compasso, pé é dança, nota é sílaba. Safo sabia.
Safo de Lesbos, segundo Platão, a Décima Musa. De Safo, sabe-se que se apresentava cantando, com uma performance solitária em meio a um público atônito. Sabe-se também que foi muito célebre pelas suas apresentações, pela sua música, pelo seu canto, e provavelmente por outros encantos. E de todo esse fenômeno que foi Safo, o que temos são apenas as letras de suas canções, e de pouquíssimas delas. É uma sobra e uma sombra do que foi Safo, mas a grandeza de sua arte era tanta que o pouco que temos compulsa nossa imaginação a completar esse quadro que frequenta a mente de quantos a leem. A poesia sobrevivente de Safo não a reduz, mas a recria eternamente.
OUTRA CAPA
Tela de José de Barros
A Cantora
NUMA CIRO
Braulio Tavares
A voz de Numa Ciro é como um aparelho de rádio artesanal, captando rádios piratas pelo mundo afora, sintonizando frequências que estão vibrando ali o dia inteiro, a vida inteira, para quem souber encontrá-las. São frequências de onda que trazem cadências poéticas, flashes visuais, trocadilhos inconscientes, harmonias semi-tronchas, melodias saltitantes, recados urgentes do futuro que ficam ricocheteando de mente em mente até chegar em algum lugar do passado, que é onde nós estamos.
É uma voz-memória, passeando pelas ondas do espaçotempo como um rio que passa pelo fundo de todas as casas do mundo, um rio correndo devagar, passando, recolhendo, recebendo, trazendo coisas que boiam, que afundam, que ressurgem na voz de quem fala deitado de olhos fechados, na voz de quem canta a sós num palco escuro sob o facho de luz do holofote, no oco de um teatro repleto onde todo mundo escuta e prende a respiração, porque a voz canta “a capella”, y no hay banda.
Uma voz como um disco voador, um disco de um lado só, um disco digital que não é feito de matéria mas apenas de luz que se lê, se lê como um livro, um disco-livro cheio de letreiros luminosos, de néons piscando, de psicodelias, de prismas dividindo a luz em letras.
Nas canções que Numa Ciro escreve ou recria existem, amarradas, num nó feito de todos nós, duas pontas, duas extremidades: a Via Láctea e o fundo do quintal, o inalcançavelmente grande e o lugar de nós todos. O grande atrator das galáxias e o terraço lá de casa onde os amigos se reúnem em termos de cerveja, tiragosto, violão de mão em mão e repertórios compartilhados. Porque há que ouvir dez mil músicas antes de se fazer uma, há que escutar mil e uma noites antes de se escrever a primeira história.
Numa Ciro tem a voz de quem trabalha ouvindo, trabalha colhendo das histórias alheias não o desenho dos fatos, mas o movimento profundo que carrega nossas mentes como a correnteza carrega as águas.
Esse é o diapasão da viagem, é o tom dessa peregrinação de tantos anos de Numa Ciro em busca da nota precisa, da respiração invisível, da pancada perfeita, da palavra surpresa, da língua solta, da carne livre, do corpo elétrico que o mundo de hoje canta, os corpos pequenos que vão para onde vai o mundo grande, mas seja para onde forem, vão cantando.
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Numa Ciro com 2 anos |
DESPROPORÇÃO
Música de César Lacerda
Letra de Numa Ciro
Quando eu era menina tinha
um rio enorme atrás da minha
Casa
O pensamento se ouvia
No espelho e no fundo
Meu olhar de paixão te ver
Maior que todas as coisas do mundo
Rio de sonhos
Aquele rio enorme é o rio riozinho
na desproporção do meu olhar
Adulto
Essa paixão
Será que tem tamanho?
Ainda
A casa o Rio a menina
O pensamento no espelho e no fundo
E o meu olhar te procura Em todas a margens do mundo
oi, Numa, querida!
recebo o seu e-mail em festa! que felicidade imensa saber que a nossa canção irá abrir o seu disco - sinto-me tomado por um sentimento nobre de gratidão e orgulho! ainda além, saber que você escolheu iniciar o disco cantando à Capella, faz-me ainda mais mais feliz!
fiz aqui os cálculos: nos conhecemos em 2009 (lá se vão 11 anos...!), quando você estava em cartaz no Rio de Janeiro com o seu espetáculo “Numa Noite Quatro Luas”. É preciso que eu diga antes de tudo: muito do que sei sobre música popular brasileira e sobre como fazer um espetáculo com canções brasileiras, uma tradição dramatúrgica e uma modalidade de performance muito nossa, desta nossa terra, aprendi com você. vendo você retorcer o sentido de tudo e reinventando mundos com o seu “monólogo cantante”.
“Desproporção” abrindo o disco, à Capella, apesar de parecer funcionar como uma introdução é também, por sua vez, um epílogo; e ainda, bem antes, a confirmação de uma trajetória de elaborada pesquisa artística. quando penso na nossa canção, claro!, vejo ecoar Caieiro: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia...”. as águas onde despejamos nossas lágrimas, sonhos, perguntas, desejos...
lembro-me das nossas longas conversas, quando eu ainda vivia no Rio de Janeiro. você me contando sobre a sua Campina Grande, sua infância repleta de fantasia, a menina Maria do Socorro encantada pelo som das coisas, nas vastas tardes de solidão. eu, que também nasci no interior do país, sei que viver a infância nestas cidades aprofunda o que carregamos dentro. o que sentimos e o que imaginamos.
quando penso em você, Numa Ciro, este seu heterônimo, penso que ele nos convida sempre à transfiguração do conceito de idade. Numa é a avó e a neta, a mãe e a filha, e ainda além, o que virá, o que não nasceu - eis aí o que conecta as ideias de ancestralidade e o que a física quântica deseja saber sobre o tempo. a desproporção é saber-se sem cabimento: você, o seu olhar, seu sentimento do mundo (façamos também ecoar Drummond!), não cabe num só corpo, numa só existência. o que lhe é desproporcional não é o rio, a saudade, a casa, a infância, a menina. mas sim, a vida. a vida transbordou o coração imenso que você carrega no peito e transformou-se em som. o som da voz que canta.
um beijo muito carinhoso!
A ARTE É MULHER
Letra Numa Ciro
Música Lanlan
Eu conheço a origem da origem,Antes mesmo de ser originada.
Inventei a existência antes do nada,
Quando o Ser era o Tempo em Vertigem.
Inventei a casa e a viagem.
No advento de Galáxia, fui parteira.
Eu cuidava do berçário das estrelas
E ninava cada uma nos meus braços.
Assoprava a poeirado espaço
E elas riam com a minha brincadeira.
Vi a Terra engravidar do universo
Pelo sopro da natureza. E a criação
Era simples rotina e diversão.
Não havia discordância no inverso:
Se da luz fizeram-se os versos,
Das sombras da noite, a ficção.
A verdade foi a joia da invenção.
A diferença, melhor aproveitada.
Era o Caos, folia organizada,
O princípio da humana inspiração.
A mulher apareceu inesperada,
Quando eu era o protótipo de um Drone.
Na filmagem, escutamos o seu nome:
A primeira palavra inventada.
A Mulher, por si mesma, foi criada.
O pensamento saiu da sua boca:
Antes disso a linguagem era oca.
Ao sentimento, ela deu um coração.
Inventora do Amor e da razão,A Arte é Mulher.
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Lanlan |
PSICODÉLICA
Música de Lanlan
Letra de Numa Ciro
Posso viajar o ano inteiro
Sem jamais voltar ao mesmo endereço
Dou a volta ao mundo em um segundo
Volto atrás e encontro o velho futuro
Sou assim
E quem me vê assim
Diadorim
Ontem mesmo a figura estranhou
Eu vou sair
Alguém vem junto?
Mudo com o tempo
Tenho a sorte a meu favor
Não sou pessimistaMeu Jaguar veloz na pista
Ligado em Rock and Roll
Dizem que sou rica
Mas não tenho ainda um disco voador
Tão free again
Ontem mesmo a figura se mandou
Agora já... ... ...
...esqueci.
São Dumont!
Já de malas prontas
e o check in…
Dizem que sou rica
Pego a dica e vou bancar meu carnaval
Sou pós-modernista
Faço antropofagia sideral
No terraço em minha cobertura
Posso dar o pouso à nave futura
Um ET sentado em meu carrão
Banco a carona e a tradução
Meu pão
Vem me contar a sua história
Bagunçar minha memória e meu cartão
Vem me dizer se onde mora
Tem registro de humanóide imigração
Vamos dar um giro na galáxia
Até que a morte não desligue o coração
Vigésima Hora
Música Tânia Christal
Letra Numa Ciro
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1984 na exposição de Hildebrando de Castro Petite Galerie Ipanema - Rio de Janeiro |
Preste atenção no detalhe
Na vigésima hora
Quando vento levou
Ahhhhh
Essa noite
Infinitas vezes
Reprise
Já decorei esse filme
Estou louca louca louca
Preste atenção no detalhe
Preste atenção no detalhe
Preste atenção no detalhe
Preste atenção
Louloulouloulouloulouloulouloucaaaaaa
Louloulouloulouloulouloulouloucaaaaaa
XOTE À PRIMEIRA VISTA
Letra de Numa Ciro
Quem me chamou de meu amor
Não disse nada
Só olhou
Eu entendi
Correspondi imediatamente
Aquele olhar de sol nascente irradiou e eu ouviOuvi chamar:
Vem meu amor!
Não disse nada e começamos a dançar
Rodopiamos infinitas vezes
A sanfona não conteve o toque de acompanhar
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Samico |
O Xote vai dizer
O que eu não disse nem a mim
Nem a você
No Xote a gente conversa à vontade
Faz amor
Mata a saudade da saudade que vai ter
O Xote vai dizer
O que eu não disse nem a mim
Nem a você
No Xote a gente conversa à vontade
Faz amor
Mata a saudade da saudade que vai ter
Gravada no Estúdio PlayGround. Sanfona Tibor FittelPercussão Lan Lanh Voz Numa Ciro
DO ESPERAR
Letra de Numa Ciro para João Donato
Passo a passo eu vou
Esperar quem vem
Quem me disse eu vou
Ao baile com meu bem
A esperar meu amor
O Baile está divertido
Já ensaio uns passinhos
A esperar meu benzinho
O Baile está divertido
Já ensaio uns passinhos
A esperar meu benzinho
Ter meu bem nos meus braços
Um bolero não dá
Pra dançar sem você
Só se for pas-de-deux
Já dancei mui solito
Rock and Roll Iê Iê Iê
O Baile está divertido
Já ensaio uns passinhos
A esperar meu benzinho
O Baile está divertido
Já ensaio uns passinhos
A esperar meu benzinho
O baile está divertido
O baile está divertido
O baile está divertido
O baile está divertido
Tranquilidade!
DADA ISSO
Música de Jean Claude Burg
Claude Burg e Tânia Christal
Mundo excessivo
Impressionista o céu
Sonho esculpindoE as nuvens nem aí
São livres
São livres
Cartões non-sense ao nosso
Olhar comum
Instantâneas
Impressões
Nuvens cubistas
Surreais
Feras soltas
Cavalo-de-pau
Vacas sorrindo
E já não riem mais
Aonde foram?
As nuvens passam
Ao cabaré voltei
Passou Man Ray
Passei batom
Não leve o sol
Dadá caos
Artes pelo chão
Tristan
Mundo lê
Mundo excessivo
Expressionista o mar
Ondas dada ondas
VanguarDada
Dada
Blues
Minha neta
Vai
Gostar de blues
E o filho
Do meu filho
Com Hermeto eu fui à feira de campina
Vi Donato no baile com Ivone
Tânia Christal foi quem me deu o nome
Tibor Fittel César Lacerda quem me ensina!
Se Bráulio é o Raio da Silibrina
Flaviola é ex-tudo estravagante
Zé Miguel Wisnik o elegante
Socorro Lira paraibana como eu
Sou dadaísta e Claude burg esclareceu
Sou Lan Lanh sou Gonzaga sou Cantante
Autores
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Henrique Cairus
Professor Titular- UFRJ
hcairus@ufrj.br